A intimidade
Hotel Tomilho é uma peça curiosa que nos confronta com o desconforto, a intimidade, a estranheza e a nostalgia.
A mim o que mais me ficou foi este contacto íntimo, quase opressor com universos pessoais de personagens sui generis e intensos, quase loucos.
Uma vez enredado nas histórias, contadas na primeira pessoa por cada um dos infivíduos que habita o estranho hotel, o espectador deixa de ser só isso mesmo, um espectador, para se tornar cúmplice e participante.
Se aceitarmos o desafio não há como fugir a este momento de proximidade forçada, quase promíscua, com um desconhecido que nos conta a sua vida exigindo envolvimento, reacção, entrega.
Há histórias tristes e alegres, cómicas e trágicas, compreensíveis e incompreensíveis. Nem todas envolvem nem agradam, mas todas tocam numa tecla qualquer da nossa forma de sociabilidade: a perfeita divisão entre o público e o privado.
Aqui, onde esta fronteira se dilui, se alarga, se confunde, o nosso papel é posto em causa, violentado mesmo.
É preciso vencer o medo e entregar-se, ver para além da anedota, da historieta, do absurdo.
Os malões que todos transportamos, aparentemente vazios, que batem nas pernas e nas paredes, tolhem os movimentos e estorvam escada-acima-escada-abaixo, não serão mais que os preconceitos, desconfortos e receios que sempre levamos connosco.
E é preciso refazê-los, reinventá-los, dar-lhes novas formas à medida que a viagem decorre e o nosso espaço no Hotel se vai construindo de deambulações e histórias alheias.
Quando, num dos quartos, me enfiei no duche com a moça que desfiava o rosário da sua vida, o desconforto provocado pela proximidade excessiva (alguém que me olhava e sussurrava a 5 cm de distância) deu lugar a uma profunda cumplicidade.
E, estranhamente, no fim daquela memória de uma suposta relação amorosa que acontecera num outro quarto daquele hotel, com outra pessoa inventada, e que estava a ser tão carinhosamente depositada em leves murmúrios nos meus ouvidos, apesar da encenação, da ilusão que é o teatro, da plena consciência de que aquela criatura tão próxima era uma actriz que decorara um texto, não consegui deixar de sentir uma gratidão imensa e desusada.
Uma sensação estranha, cálida, de agradecimento pela partilha e pela confiança.
E as palavras dela ficaram a ecoar:
"... Dizem que as papoilas têm vida curta. Que se as colocam num vaso morrem logo a seguir. E no entanto parecem pequenas chamas vermelhas que inflamam os campos. Vai, sê uma papoila vermelha. Deixa incendiar a pequena chama vermelha que levas dentro."
4 Comments:
At 24 maio, 2005 16:19, montanhacima said…
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At 24 maio, 2005 16:20, montanhacima said…
Muito engraçado é o sentimento de propriedade com que todos nos agarramos às malas entregues no início da peça.
Dei por mim, ao mudar de uma sala para a outra, à procura da minha mala no meio de tantas outras como se tivesse perdido uma parte de mim.
É uma forma cumplice que todos temos, sem nos apercebermos, de participar na peça.
Não há fronteiras entre actor e espectador.
Isto dá pano para mangas...
At 24 maio, 2005 16:49, sgs said…
mangas compriiiiidas.....
At 24 maio, 2005 17:50, Zé Maria said…
Estou doido para me ir enfiar nessa maluquice. Acho que, de vez em quando, todos precisamos de "agitar antes de usar".
Beijinhos.
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