Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

quarta-feira, junho 22, 2005

Cruzar o oceano



O primeiro impacto fez-se ao anoitecer.
Na luz parda de fim-de-dia as marcas da chuva recente eram visíveis do ar e faziam temer o pior. Estradas de terra batida, vermelha e intensa, semi-alagadas, barreiras derrubadas e troços interrompidos, campos submersos num mar alaranjado de lamas arrastadas pela força das águas. O verde tropical, semeado de coqueiros esparsos, apresentava-se sarapintado de grandes "lagoas" e casas precárias, o rio Potengui, riscado de tantos castanhos quantos os das terras soltas da região, superava as margens e corria lamentoso.
Os receios de chuva trazidos de Portugal (onde a água tanto escasseia), associados ao cansaço da viagem, quase faziam vacilar a vontade de férias. Afinal de contas cruzáramos um oceano em busca de dias maiores e às 17h00 (locais) esta terra tão próxima do Equador presenteava-nos com a desoladora escuridão da noite precoce, semeada de promessas de chuva intensa.
E assim, ainda atontados, embarcámos no mini-bus que nos levaria a Pipa, para mais uma hora e meia de caminho na companhia de um grupo de portugueses com cara de caso e calcinha engomada.

O primeiro contacto com uma terra diferente é sempre de estranheza.
As viagens de avião encurtam distâncias suprimindo a noção de caminho, impedindo-nos de construir passo a passo o percurso e a interiorização progressiva que ele implica. Talvez por isso seja tão bom caminhar, os pés a delinearem o caminho, o corpo a aprender a distância com cada balanço. Neste caso, cuspidos do avião aos tropeços com as malas, cada um trazendo na bagagem as imagens arquetípicas com que vestiu o Brasil ainda em terras lusas, esta estranheza foi ainda maior. O escuro não ajudou a delinear o espaço circundante com as casas e as pessoas a surgirem espectrais à beira do caminho em flashs sucessivos.

A chegada ao resort foi o culminar de todos os receios.
O chalet cheio de insectos (sem mosquiteiro) prometia uma noite difícil.
O passeio a Pipa para um jantar quente (depois da comida de plástico do avião) revelou-nos uma terra pequena, com uma única rua principal e duas ou três ramificações, onde se alternavam restaurantes, boutiques mais ou menos chiques, lojas para turista e pousadas circundadas por um casario desordenado, descuidado e de uma degradação desoladora. O desalento parecia abater-se sobre nós de forma irremediável.
Só os camarões à baiana e a voz acalentadora de Caetano Veloso nos devolveram a confiança na opção feita e nos prepararam para o sono reparador(?).
Munidos de repelente (ó santa ingenuidade!) deixámo-nos finalmente vencer pelo cansaço e esperámos que o dia seguinte nos revelasse uma realidade diferente e mais prometedora. Com sol tudo melhora (haveria sol?!!!).

1 Comments:

  • At 23 junho, 2005 09:14, Blogger Zé Maria said…

    Imagino que o resto da história nos vá revelar que nem tudo são mágoas em terras de Vera Cruz. Por mim, mantenho que o Brasil é o último lugar onde gostaria de passar férias.
    Aguardo ansiosamente pelo desfecho.
    Beijinhos.

     

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