tempo de safra
Durante anos mergulhei nas vindimas como uma forma de conhecimento.
O contacto com a terra, a rudez dos gestos, a fadiga dos membros. Corpos dobrados sobre si mesmos horas a fio na repetição mecânica do gesto de cortar, recolher, colocar, calcar.
O breve alívio das costas no carrego dos cestos, ladeira acima, com o peso que cresce ao longo do dia, fazendo-se maior e mais duro à medida que o sol baixa e o vermelho tinge as parras e cepas esvaziadas.
A dureza do trabalho acordava em mim sensações antigas.
O balanço dos corpos no tractor, o frio matinal a arrepiar a pele dos braços, as cicatrizes nas mãos, as cantigas e ladainhas de trabalho, o desfiar das memórias.
E o cansaço dorido que me habitava o corpo em cada dia dava-me uma sensação de realidade, de pertença, de vida, que me mantinha acordada e desperta para as coisas e para o mundo, detentora de uma centelha de saber que me aproximava da terra e dos seus segredos.
Uma sensação que perco aos poucos nos dias que correm e que me deixa saudades no corpo e na alma (essas ferramentas primordiais).
3 Comments:
At 13 setembro, 2005 21:50, JNM said…
Ainda me lembro de algumas fainas, arrancar cristas às batatas, cavá-las, ir buscar feno para o gado, lenha, pinhas pelo meio do monte, debulhar o milho à sombra de Agosto, as vindimas de que falas e a corrida de bicicleta para ir tomar banho ao rio, a merenda...
Que saudades, meu deus, que saudades...
At 15 setembro, 2005 11:01, montanhacima said…
"O trabalho de menino é pouco e quem o perde é louco",dizia a minha avó incessantemente para nos dar alento a disfarçar o quanto lhe custava ver os netos com 12 ou 13 anos a acartar cestos caregados de uvas, vinha abaixo, vinha acima.
Custa e doí no corpo mas é tão marcante que deixa saudades e fortalece a alma e o ser.
At 15 setembro, 2005 18:58, jordi said…
Estou a ver que a alma lusa clama muito alto por estas partes...
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