Andar às voltas
Caminhamos por ruas inundadas de gente e de sol.
O foro imperial arde de luz branca sob um calor de estio fora de época.
Cada pedra, cada capitel, cada coluna representa o tempo que passa e que pesa. Incontornável!
A História em Roma é uma presença corpórea e palpável que acompanha e esmaga, num misto de fascínio e temor.
É fácil perceber porque é que a criação contemporânea só existe fora da capital.
O lastro da memória, do tempo e da História é demasiado difícil de quebrar. Impede o voo como uma esfera de ferro atada a um pé. Como uma âncora.
A libertação exige a fuga, a leveza, o abandono.
E para isso os fragmentos de pedra, os edifícios, as referências têm de ficar para trás.
Ou não... talvez se deixarmos de resistir possamos reinventar a relação com o peso da memória e com esta História feita discurso de pedra.
Assim, embrenhamo-nos na cidade lítica como quem se perde.
Calcorreamos ruas, ruelas, becos, escadas, escadas e mais escadas na tentativa de chegar aos deuses.
Tudo se se apresenta em camadas sobrepostas (e justapostas), capas, níveis, fatias.
Cada percurso é uma incursão arqueológica, cada edifício uma amálgama de espaços que atravessam o tempo.
O próprio labirinto do traçado viário impede a libertação da sensação de mergulho.
É obrigatório perder o Norte! Aqui as distâncias medem-se pela passada ritmada, os referentes habitam nos pináculos e torres. Todos os azimutes são aleatórios.
É preciso aprender a perder-se com puro prazer. Como opção. Como atitude!
Andar às voltas torna-se uma forma de ver e pensar, acentua o tempo necessário para conhecer e sentir o pulsar vivo das coisas por trás do branco das pedras.
E a relação com a cidade cresce neste rodopiar, torna-se o desejo que permite superar o cansaço, os pés doridos, a fome que aperta, a resistência inicial.
Roma conquista de uma forma difícil de explicar. Até a multidão circundante deixa de ser um estorvo para se tornar uma pincelada dinâmica e inconstante de vida, cor e movimento, sensações tão indissociáveis à realidade da cidade como o Caravaggio, o Panteão, o Vaticano ou o trânsito caótico.
Não sei se consigo fazer um relato de viagem fiel. As memórias misturam-se. Acho que só vos posso deixar breves reflexos em toscas pinceladas.
2 Comments:
At 21 novembro, 2005 19:47, Anónimo said…
A gente dispensa o relato fiel.Basta-nos esta prosa apetecível de ler que abre o dito a quem não estava lá ou mesmo para quem já lá tivesse estado, recorda-lhe o que viu e o que pensa ter observado, mas só agora aprecia.
At 22 novembro, 2005 12:19, Anónimo said…
perdi-me no teu texto, perdi-me nos becos das tuas palavras, nas ruelas da tua narração e, sem querer, perdi-me em Roma como quem se perde para se achar...
beijos
mãe
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