Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

quinta-feira, janeiro 18, 2007

bicicletas na cidade



Sonhei uma vida inteira com as urbes europeias onde tudo se faz de bicicleta.
Anseio por isso por ciclovias, parques para bicicletas, gentes de todas as idades a dar ao pedal, vento na cara e cestos para as compras no guiador.

Lisboa é uma cidade difícil, cheia de colinas, carros, trilhos de eléctricos, passeios com carros estacionados e uma desatenção crónica ao peão e, por extensão, ao peão em upgrade, que é mais ou menos o estatuto de um ciclista na grande urbe.

Ainda assim, Domingo, manhã cedo, com a humidade condensada frente à boca em cada expiração, lá fomos nós, bicicleta pela mão, tentar a nossa sorte.

Começámos pelo metro, que à noite e aos fins de semana deixa transportar bicicletas, mas se esquece que isso implica ter os canais especiais em funcionamento e nos obrigou, portanto, a verdadeiras acrobacias para podermos sair e entrar das estações.

Vencidos os primeiros obstáculos e os olhares de estranheza dos outros utentes, começámos a pedalar na Rua do Ouro, rumo ao Terreiro do Paço, Jardim do Tabaco e Santa Apolónia.

O objectivo era chegarmos à Expo (sãos e salvos de preferência) e perceber se haveria algum percurso alternativo para o fazermos em segurança.

Por alturas de Santa Apolónia começamos a ver mais ciclistas e percebemos que há uma estrada secundária que percorre todo o terminal TIR ao longo do Tejo.

Inflectimos portanto para a direita na Bica do Sapato e daí para a frente são 12 quilómetros de caminho fácil e ininterrupto até à ponta Norte da Expo, numa experiência esteticamente estranha mas estimulante que permite breves momentos ladao a lado para dois dedos de conversa durante a pedalada.

À nossa volta o cenário oferece zonas industriais, carris abandonados, vagões de mercadorias, silos e contentores.

É uma outra Lisboa, bruta, metálica, meio abandonada, pontuada pelo calor humano dos ciclistas que passam e se cumprimentam uns aos outros num sorriso de cumplicidade.

O percurso tem algo de iniciático, de clandestino e talvez por isso a chegada à expo seja tão desconcertante: uma lufada de vida, cor e movimento, onde os ciclistas iniciados (essa comunidade que conhece e partilha o caminho e se cumprimenta num ritual de reconhecimento e pertença) se diluem na multidão que pedala, patina e passeia um pouco por todo o lado.

Mais à frente, já junto a Sacavém, no extremo final do recindto da Expo, um pai e um filho de 8 anos pedalam lado a lado e conversam animadamente. Uma frase solta-se no ar, mais nítida quando os ultrapassamos: "Olha por exemplo o caso da Irlanda. Os protestantes e os católicos também ainda não resolveram os problemas..."

Entreolhamo-nos.
Muito se aprende em cima do selim, a bicicleta inspira as conversas mais incríveis!

Quantos outros caminhos clandestinos (ciclovias possíveis?!) haverá escondidos por Lisboa?
Na minha caminhada matinal, não há dia em que não veja um ou dois ciclistas solitários que insistem em criar uma alternativa ao trânsito no centro da cidade, uma alternativa não poluente, sem ruído, sem engarrafamentos nem problemas de estacionamento.

Temerários que desafiam a topologia e o suposto bom senso pragmático que teima em afirmar que Lisboa não é uma cidade ciclável.

Existem estudos que mostram a possibilidade da criação de ciclovias na cidade de Lisboa aqui, há gente empenhada em mostrar que apesar das vicissitutudes há espaços cicláveis na capital, há um investimento que poderia ser feito neste sentido e há um público atento e cheio de vontade de participar nesta transformação.

Quanto a mim, tenciono pôr-me ao caminho mais vezes e garanto que o cestinho para o guiador já está na minha lista de compras.

2 Comments:

  • At 20 janeiro, 2007 22:37, Blogger JNM said…

    Que post formidável. Adorei e há já algum tempo que esperava algo assim.
    De facto ciclável em Lisboa há muito pouco e o trânsito não ajuda muito. De resto, a questão das colinas não é verdade e o que existe é uma herança mourisca de falta de espaço. Conheço um caminho lindissimo para a Expo a partir de Loures. À beira Trancão. Depende da bicicleta que usas se, for BTT fazes os trinta e cinco Km na boa...

     
  • At 22 janeiro, 2007 11:13, Blogger Pedro Veiga said…

    Muito bonito o texto! Já tenho tentado ir para o trabalho de bicicleta. É de facto uma experiência nova cheia de riscos mas que é largamente compensada com o contacto com a cidade. O pior é mesmo a poluição porque ao fim do dia fico com dores de cabeça por ter sido obrigado a respirar o ar pesado das ruas mais congestionadas pelo trânsito automóvel. Até agora ja fiz os seguintes trajectos: Alto do Lumiar-Rato; Alto do Lumiar- Olivais Sul; Alto do Lumiar-Cidade Universitária e Alto do Lumiar-Monsanto. Também já participei na massa crítica que é um movimento apartidário que luta pela transformação das ruas das cidades em locais bons para a deslocação em bicicleta. As acções têm lugar nas últimas sextas feiras do mês a partir das 18 horas, no Marquês de Pombal -http://massacriticapt.net/principal.htm

     

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