Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

quarta-feira, março 05, 2008

Danças e contradanças

Não me lembro que idade tinha quando o meu pai me ensinou a dançar a valsa.
Sei que gostei desde logo da cadência do corpo, da harmonia dos movimentos na música, da sabedoria contida nos passos, voltas e reviravoltas.

Ao longo do tempo aprendi outros ritmos mais libertadores mas manteve-se o gosto pelas danças com par em que a cumplicidade se faz coreografia e a promessa de liberdade imensa que habita o ritmo tornado corpo se torna contenção e passa a ter espelho e ressonância no outro que contradança connosco.

A dançar se fizeram as primeiras aproximações dos rapazes e em Vale do Paraíso, nas férias de Verão, a descoberta fazia-se em matinés de garagem onde a transgressão possível tomava a forma de slows ao som dos sucessos da rádio.

Aos bailes oficiais, na Sede da Banda, ia-se nos dias de festa sob a supervisão vigilante das mães, tias e avós que não deixavam que entre os adolescentes na pista se desenhassem mais do que danças aparentemente inocentes, sem que na verdade isso impedisse que os códigos de cumplicidade e insinuação se estabelecessem entre os parzinhos em formação. Parte do flirt e do jogo estava justamente neste ludibriar dos olhos vigilantes através de códigos subtis de que apenas nós detínhamos a chave e que se concretizavam em beijos apressados e abraços urgentes no escuro do parque infantil, nos breves intervalos da banda em que a vigilância afrouxava e nos eram permitidas desculpas mal inventadas para sair do espaço de controle.

Foram poucas as vezes em que a sensação de liberdade total na dança me habitou por completo. Acho que me ficou sempre este olho condenatório que procura anular parte do prazer com a hiperconsciência da sensualidade do corpo e a presença dos outros em torno da pista.

O gosto, esse continua-me na pele e na alma.
Uma vontade irresistível de dançar de qualquer maneira mal a música convida, como uma espécie de estado de felicidade instantâneo (o mais próximo que recordo da capacidade infantil de entrega na hora de brincar). Em bailaricos, em festas, em bares, em todos os espaços onde a música surge como sugestão de passos, abraços e movimentos ritmados.
Com os olhos abertos na festividade do momento, sozinha, com par, em grupo.
De olhos fechados quando a zona de escrutínio cessa e finalmente se desliga o fio pensante que tolhe e analisa tudo.

Redescobrir a dança nestes últimos dias em que os deuses andaram distraídos e me proporcionaram salsas, bourrés e outros passos europeus, relembrou-me tudo isto.
Como é possível que me tivesse esquecido!

(e pergunto-me se os adolescentes actuais ainda dançarão slows, e se conhecerão a espera ansiosa da música calma que nos permitia, finalmente, dançar agarradinhos!...)

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1 Comments:

  • At 12 março, 2008 16:19, Anonymous Anónimo said…

    ai os maganos... íam para o escurinho do parque infantil......

    Que bom que é dançar, ou não fosses tu também uma mulher de Novembro filha de outra mulher de Novembro!
    beijos mil
    mãe

     

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