Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

terça-feira, setembro 28, 2010

crescer, crescer





Quando era pequena ir à vinha significava ir na verdade a todos os pequeninos terrenos que a minha avó tinha e comer uvas, nêsperas, cerejas, ameixas das árvores (no devido tempo, claro está) e apanhar barrigadas de medronhos de regresso a casa (para grandes arrelias e preocupações da minha avó).
Era nestas idas à vinha também que visitávamos a selva dos leões (o sobreiral misterioso onde todos nós, os netos, inventávamos aventuras e tesouros) e o charco das rãs de onde trouxémos vários desgraçados exemplares para casa. E também onde o farnel de pão com manteiga (uns pãezinhos em forma de pombinha que o padeiro fazia de propósito para os miúdos e que a minha avó comprava cedíssimo para garantir que nos calhavam a nós) me sabia como nunca mais nenhum pão com manteiga me soube.

Destes campos lembro-me muito das caixas de cartão com cerejas e nêsperas que a minha avó despachava todos os anos para Lisboa para que nós, os netos da cidade, pudéssemos saborear também, mesmo longe, os deliciosos frutos pequeninos, maljeitosos, mas dulcíssimos daquela pequena safra.

Agora estas terras estão ao abandono e a minha avó num lar com alzheimer, a selva dos leões foi vendida e há décadas que não como um medronho.

Isto (apesar do tom lamentoso e um pouco lamechas) não desfeia nem apequena as memórias, pelo contrário, faz-me ver como a minha infância foi privilegiada e procurar tentar dar ao A., nem que seja, um breve vislumbre do que pode ser este contacto directo com as frutas ainda nas árvores e a vindima de uvas ainda quentes do sol.

Felizmente ainda há na família quem se dedique à terra.
O outro avô (o seu bisavô), com uma genica invejável para os seus oitenta e muitos anos mantém em dia esta relação (agora com cursos para jovens agricultores!!! a acrescentar à farta experiência). Nas suas vinhas ganhei muitas vezes o salário com que viajava no Verão. As vindimas foram durante anos o complemento ao meu pé-de-meia para inter-rails e a minha via de ligação ao meu lado mais telúrico e ancestral.

Hoje em dia o contacto é mais esporádico mas ainda permite apanhar peras, maçãs e uvas directamente da terra que as alimenta e nutre. Por isso, um destes Domingos de início de Setembro a pargunta "Que vamos?" do A. teve como resultado um - vamos ao campo apanhar fruta!
Para o A. foi uma estreia e uma novidade, entusiasmante e saborosa como compete a uma boa tarde soalheira e outonal.

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1 Comments:

  • At 30 setembro, 2010 14:05, Anonymous mãezita said…

    foi muito emocionante para mim ler o teu "post". Saí daqui a chorar e cada vez que o leio e vejo o meu principezinho loiro a apanhar uvas, sinto uma comoção enorme. Não poder ler isto à avópaíso porque ela já não o compreende faz-me uma profunda tristeza. Ainda bem que há memórias assim, que ficam escritas para que um dia não se percam nas memórias de quem já não tem memória. Obrigada filha linda. Espero que um dia os meus netos também me recordem com esta doçura, tenha eu ou não memórias...
    Mãe

     

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