Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

quarta-feira, agosto 24, 2011

lar



Desta vez o regresso de férias foi atribulado.
Ao entrarmos em casa um cheiro nauseabundo retirou-nos qualquer prazer de rever o lar. O congelador tinha sido desligado por acidente (o nosso combinado tem 2 motores em separado) e todo o seu conteúdo foi apodrecendo calmamente na nossa ausência, aproveitando o calor do verão para acelerar o inexorável processo de decomposição.
A cozinha, esse centro de todos os lares, estava verdadeiramente insuportável e a terefa que se nos impunha era seguramente algo que só desejamos aos nossos piores inimigos.

Lar é o sítio onde estamos, onde se desenham os afectos, onde se constrói a segurança, o aconchego e o carinho. A casa assume estas funções com a vivência e os laços que aí se desenham, mas também com os hábitos, os cheiros, o conforto do que é conhecido. O regresso faz-se sempre também deste reencontro com os espaços do aconchego.

Talvez por isso mesmo aquilo que mais tenha sentido quando me deparei com um espaço conhecido mas não acolhedor, com um cheiro de bicho morto que se entranhava por todos os cantos e nauseava mesmo os mais valentes, foi que aquela não era a minha casa. Que o meu espaço, o nosso lar, nos tinha sido roubado.

E a isto tivémos todos uma reacção de bicho acossado, de instinto inquieto, de ameaça latente, de desassossego. De candeias às avessas, turbulentos, quezilentos, desconfortáveis na nossa pele e naquele que deveria ser o nosso território e espaço de abrigo, prolongámos a desorientação por vários dias, mesmo depois de tudo limpo, reposto e em processo de solução.

Sei que não foi um assalto (não imagino o que isso seja) mas vivi-o como uma espécie de violação, de pilhagem, de invasão. E foi difícil fazer daquele espaço de novo o lar que nos acolhe (pelas razões óbvias - é verdadeiramente detestável viver no meio de um cheiro nauseabundo - mas também por razões menos facilmente nomeáveis).

Agora que tudo regressou à normalidade, o A. já não pára no patamar da escada a dizer que não quer entrar porque aquela casa já não era a nossa (têm grandes intuições as crianças pequenas), o equilíbrio tece-se nos carinhos de todos os dias, e o espaço volta lentamente a ser habitado pelos cheiros propícios ao acolhimento e crescimento.

À cozinha vão retornando agora os sons e cheiros costumeiros. E um adorável odor a canela vindo deste saboroso bolo de muesli ajuda a ir desfazendo a má memória.