Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

quinta-feira, março 30, 2006

Caixas de vida



As mudanças são períodos de limbo.
Todas elas.
Um entre-vidas, uma suspensão no tempo entre a crisálida e a metamorfose.
As mudanças de casa são ainda mais este espaço de suspensão.
A vida empacotada, embrulhada, a casa antiga transformada num não lugar e a casa nova num lugar-para-vir.
É neste entre-espaços que me encontro agora.
Rodeada da pacotes, objectos, papéis, na proliferação material de que nos rodeamos para materializar a memória, a vida e o tempo.
Tem momentos bonitos de reencontro com o que já fomos e momentos de desespero com aquilo que queremos ser.
É talvez neste entre-tempo que o passado e o futuro mais se degladiam.
Seleccionar, banir, acumular, preservar, reinventar, libertar.

Dentro de dias espero que a crisálida se transforme e dos caixotes saiam afinal surpresas insuspeitadas para povoar o novo espaço.
Nós, seguramente, estaremos um bocadinho mais outros.
Nem que seja com mais dias e menos lastro.
Vestidos de novos desejos...

terça-feira, março 28, 2006

Cheiros maternos

Começa aqui um pequeno ciclo esporádico de textos escritos pela minha mãe sobre a memória dos cheiros e a identidade.
Textos que pela sua qualidade merecem engrandecer estes dias que já adivinham a primavera.



Cheiros 1

O mato tinha sido roçado no sobreiral e enchia agora o quintal da minha avó Carlota fazendo nascer uma cama fofa para os patos, galinhas e perús e para os nossos pés calçados com botas de borracha para não nos picarmos no tojo.
Também porque eram mais baratas que as outras… O perfume do mato fresco e húmido com alguns pedaços de rosmaninho e alecrim aqui e ali, envolvia-nos naquele cheirinho de fim de férias, de chegada de Outono, enquanto nos imaginavamos saltimbancos-acrobatas duma cama elástica improvisada.
Uma escada de ripas de madeira encostada à parede do palheiro servia de trapézio à Zézinha, a maior trapezista de todos os tempos que imitava na perfeição os bonecreiros que tinham passado na aldeia nesse Verão anunciando ao megafone o "Grande Espectáculo no Largo da Estrulibânia".
A Zézinha que nunca tinha aprendido a andar, só a correr, percorria toda a rua pulando dum lado e doutro da valeta e não gostava nada, mas mesmo nada, de ter cabelo encarnado. Das sardas não se importava...
Na esquina da rua à porta da loja do meu avô a Maria da Rosa Rita vendia hortaliça e queixava-se da vida... era o genro que tinha partido uma "travincula" ... era ela que andava doente e tinha ido fazer "anausas"… e o dinheiro escasseava… para o médico, para as análises, sim, que isso de segurança social seria coisa que a Maria da Rosa Rita nunca viria a conhecer.
Boa mulher, a Maria da Rosa Rita.
Chegava com o burro carregado de nabos, couves, alfaces e cenouras cheirando a terra molhada e sentava-se numa cadeira que o meu avô lá deixava de propósito. Um dia o burro mordeu-lhe e ela passou bastante mal.
A partir daí eu comecei a ter medo de andar de burro e quando ía às pinhas com a Bétinha escarranchava-me sempre na parte de trás... até um dia … o burro escorregou e eu fiquei sentada no caminho de terra...
A Bétinha vivia em Santarém e vinha passar férias a casa da avó Aurélia. Deu-me o privilégio de mascar a primeira pastilha elástica da minha vida e de toda a vida da aldeia... usava calças à pirata … e mais importante que isso tudo, tinha um arco de Hula-Hoop em que ambas éramos peritas.
Horas a fio: - da cintura para o pescoço, do pescoço para a mão, da mão para o pescoço, do pescoço para a cintura, sem deixar caír o arco amarelo.

segunda-feira, março 27, 2006

sardinhas a metro!



A lata estava lá, as sardinhas também, a conserva durou uma hora, longa, suada, quente e em más condições, com queixumes, desmaios, ataques de claustrofobia e crianças enjoadas prestes a vomitar.
Sem uma palavra!!!!


Quando olhei o relógio da estação senti-me satisfeita por ir chegar mais cedo do que esperava uma vez que tinha imenso que fazer.
9h14! Mais uns minutinhos e estaria sentada à secretária, de café na mão, a riscar itens na lista do A Fazer de hoje.
Possivelmente todos os que entraram no metro em Sete Rios partilhavam esperanças semelhantes e por isso todos nos apertámos mais na simpatia de deixar entrar mais um que quer chegar rapidamente ao destino.
3 minutos depois uma travagem brusca atirou-nos uns para cima dos outros, espremendo-nos mais um bocadinho e obrigando-nos a uma recomposição da postura entre sorrisos e desculpas educadas.
E foi assim, estacados, que começou uma longa hora de espera, sem notícias, sem ar condicionado, a meia-luz, sem explicações.

Na verdade não sei dizer o que se passou pois nada foi anunciado pelo altifalante, nem mesmo quando o alarme de emergência foi accionado por um de nós na tentativa de aliviar o pânico de uma passageira que sofria de claustrofobia e chorava num desespero baixinho entre ataques de falta de ar.
Os telemóveis tocavam e ligavam toda a gente ao exterior mas lá dentro, de janelas seladas, nada mais saía que as conversas entrecortadas de quem avisava, se queixava ou simplesmente conversava. A resignação pacata e lamentosa do português imperava (ao menos isso) e o tempo escoava devagar.
Ao fim de meia hora o nível de nervosismo começou a ser palpável, denso, quase tão visível quanto o suor e o cheiro a gente, todos de pé numa promiscuidade forçada. Alguém do Metro chegou e abriu as janelas com uma chave de segurança mas não deu explicações, nem melhorou a atmosfera na verdade, pois as pequenas gretas não conseguiam fazer entrar nem circular o pouco ar que habitava o túnel.
As luzes tornaram-se mais fracas e aos 40 minutos ficámos a meia-luz.
Ouviram-se suspiros e ais contidos.
O pânico da moça tornou-se um soluço ofegante, os queixumes telefónicos aumentaram, o silêncio dos altifalantes do Metro manteve-se.
Só ao fim de uma hora nos abriram a porta dos fundos e mandaram descer com cuidado, a conta-gotas, entreajudando-nos. O INEM lá estava para acudir aos mais ansiosos (havia vários por carruagem), os seguranças também para orientar toda a gente … a estação da Praça de Espanha também, a 10 metros, iluminada e pacata como se nada fosse!!!
A primeira carruagem estava parada a menos de 10 metros da plataforma de embarque, havia gente que esperava no cais por entre os chorosos e assustados que saíam da linha. De repente tudo parecia fazer parte de um filme surreal. As pessoas à espera como se nada fosse, o metro ali parado à vista da estação, tão perto que bastava um salto, as pessoas sentadas no chão e nas escadas a serem assistidas pelo INEM.

Que explicação existe para nos manterem fechados durante 60 minutos quando o cais da estação estava a 10 metros?
Porque nunca nos avisaram de nada nem tentaram descansar as pessoas que se encontravam fechadas sem poder fazer nada?
Porque nunca responderam ao accionar do alarme de emergência?
Porque não nos evacuaram todos a partir da carruagem da frente, calma e rapidamente, visto ser a mais próxima da estação, assim que se aperceberam de que não podiam continuar a marcha?
O que aconteceria se esta tivesse sido uma situação de emergência verdadeiramente grave?
Que planos de evacuação e emergência existem realmente na rede do metro (agora sobre-utilizada por causa do fecho da estação do Rossio)?

Temo que tal como as sardinhas em lata, estas, a metro, também sejam um produto tipicamente nacional!

quinta-feira, março 09, 2006

dias pequeninos, pequeninos



Caros amigos,
os dias têm encolhido com as chuvas dos últimos tempos. Sem eu perceber bem como ficaram pequenos, pequenos, quase invisíveis. Sem espaço para a escrita, só para a saudade.
Espero ser capaz de fazê-los crescer um bocadinho mais nos próximos dias com um sopro de tempo e vontade que os ponha inchados e a flutuar por cima das horas que correm.
Soprem também, pode ser que ajude...