Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

quinta-feira, janeiro 24, 2008

quartos sossegados


"Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou um intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato."

Álvaro de Campos
Não cessa de me espantar a clariviência desassossegada de Álvaro de Campos.

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terça-feira, janeiro 22, 2008

anseios




"Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens,
ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta,
Uma razão para descansar, uma necessidade para me distrair,
Uma cousa vinda directamente da natureza para mim.
(...)
Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.
Eu quero ser sempre aquilo com que simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com que simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma ideia abstracta,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo."
Álvaro de Campos

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quinta-feira, janeiro 17, 2008

She's not gone, she just fits so well with the furniture that she became invisible



A peça decorre num cenário que começa vazio e se vai preenchendo aos poucos, de forma obsessiva, com toda a acumulação material de coisas de que nos rodeamos para fugir ao abandono.
A matéria tornada ritual, conforto, bóia de salvação para o desalento, a incomunicação e a solidão. Um substituto para a frustração e a falta de emoções fortes.
Um casal jovem repete, ao fim de sete anos de relação, diálogos, gestos, rotinas, na angústia de saber esgotada a sua capacidade de amar. Sem a coragem de romper com o comodismo nem a ousadia de reinventar o amor, levando-o mais longe e rompendo as fronteiras tácitas (e tácticas) onde ele se encaixa e domestica.

O risco verdadeiro está ausente deste cenário confortável de sofás, estantes e mesas a combinar. Ou existe, clandestino. subterrâneo, como um lobo à espreita sem coragem de se tornar visível. Como uma suspeita, um desejo inconfessado, uma hipótese académica.
"Say, hipotetically, just hipotetically, what if i had a fling with your bestmate, what would you do? would you stay? would you go? wouldn't you even try?"

Ontem mergulhámos na peça Presumption levada ao palco da Culturgest pelos Third Angel e a experiência foi extraordinária. Agrada-me este teatro quase transparente, vívido, tão próximo como uma conversa íntima. Talvez por isso seja também mais perturbador - a intimidade tornada identidade entre público e os actores, entre história encenada e vida real. O texto dos diálogos, apesar de em inglês, é claro e inteligente, com um toque de humor que não lhe retira veracidade. O registo oscila entre o monólogo interior tornado audível e a tentativa de diálogo entre duas personagens que têm medo de comunicar a sério tantos são já os artifícios construídos para um conforto rotineiro.

Não nego que o que resulta do conjunto, ainda que numa versão com graça, é uma visão um pouco pessimista do espaço relacional entre a paixão inicial e a perda do amor. O espaço em que o I love you se substitui gradualmente por um "I don't not love you!". Ainda assim, mesmo que a nossa visão das coisas seja diferente, mais optimista, mais esperançada, a peça vale imenso a pena. Hoje é a última representação, às 21h30. Se puderem, não percam.

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quarta-feira, janeiro 02, 2008

Vermelho 2008






quente, acolhedor e regenerador, como se deseja.

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