Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

sexta-feira, fevereiro 29, 2008

a vida num rodopio



às vezes no rodopio dos dias, o espaço de uma dança é o suficiente para dilatar o tempo e redescobrir o prazer da vida.
Obrigada M.!

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terça-feira, fevereiro 26, 2008

respirar




Acariciar as horas amarelas do fim de tarde.

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sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Dúvida

"Sabemos que as palavras
nos protegem do mundo.
Mas quem nos protege
das palavras?"

José Mário Silva (Nuvens e Labirintos)

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

A Guerra


imagem Teatro D. Maria II

A peça decorria já na segunda parte quando o quadro eléctrico disparou.
No meio das negociações de rendição do exército inimigo, cena cheia de gente em palco e texto elaborado e eloquente, a escuridão caiu repentina, como um fechar de pano transparente e sem marcações.
Durante uns segundos ninguém soube bem como reagir.
O público na sua dúvida básica (será que isto faz parte da cena?), os actores na inquietação do imprevisto (será que vai demorar muito tempo?).
E é curioso como de repente, com o prolongar deste tempo inquieto e incómodo, os corpos dos actores começaram a desenhar claramente as dúvidas que os assolavam.
Nos pequenos movimentos involuntários, nos acenos de cabeça, na perda da postura, no vaguear do olhar, ainda que ninguém ousasse sair do sítio previamente marcado pela composição de conjunto, a ilusão cénica desfez-se aos poucos em perguntas mudas mas dolorosamente visíveis para a plateia atenta (e confortável, porque do outro lado):
que fazemos? desfaço a postura? onde anda o director de cena? chamem os técnicos? dêem-nos instruções? saberei recuperar o diálogo no ponto em que caiu? é para interromper? é para continuar? isto hoje não está a correr nada bem! Secalhar devíamos ter continuado! mais valia fecharem o pano! não me posso esquecer de dar comida ao gato!...
E foi aqui que a guerra verdadeiramente se desenrolou, no espaço do imprevisto que despiu os actores perante o público pois na perda da força dos personagens surgiram os homens e mulheres por detrás do actor e o público não conseguiu deixar de hesitar entre a empatia solidária (que, apesar de tudo, prevaleceu) e o desencantamento que acontece quando se tornam demasiado visíveis os instrumentos de encantar.
Quando finalmente tudo se resolveu e as luzes reconduziram os seus focos para A Guerra de Goldoni, a outra guerra, silenciosa e sorrateira tinha já feito as suas vítimas.
Pois ainda que todos os actores tenham retomado os seus discursos e deixas com convicção e empenho, nos seus rostos a inquietação instalara-se inexoravelmente e na plateia a capacidade de acreditar tinha aberto as suas brechas.
De tal forma que o agradecimento final durou apenas uns instantes, com a necessidade de alívio proporcionada pela verdadeira queda do pano (aquela que, finalmente, permitia suprimir do escrutínio público as dúvidas que contracenavam no palco) a ditar os ritmos da despedida e a desenhar as linhas de expressão facial.
Ainda que não hajam cortes de energia todos os dias, e portanto a experiência de guerra não seja tão rica, se puderem, não deixem de passar por lá.

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terça-feira, fevereiro 19, 2008

Lembrete


"Unbeing dead isn't being alive."

e. e. cummings

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

As galochas amarelas


images.jupiterimages.com

Enquanto o dilúvio inunda tudo lá fora e esbate todos os contornos em linhas líquidas e onduladas vêm-me à memória dias antigos de caminhadas para a escola com os pés protegidos dentro de umas botas de borracha.

As da minha infância eram amarelas com um pedaço de tecido impermeabilizado a prolongar e proteger o cano com um atilho de apertar à perna e são uma invocação profunda de liberdade.
Com elas o caminho deixava as fronteiras definidas pela sensatez e podia assumir contornos aventureiros e destemidos, cada poça a representar uma subversão divertida das regras habituais.
O meu percurso de todos os dias reinventava-se e passava então a uma sucessão aparentemente aleatórea de ziguezagues de forma a não falhar uma única poça de água, no simples propósito de verificar a sua profundidade e limites num splash decidido e convidativo.
A surpresa e o inesperado faziam parte do jogo e o resultado era muito frequentemente uma molha descomunal entre todos os miúdos, contagiados pela loucura destes mergulhos e correrias sobre as águas.

Num dos dias, correu pela escola que se tinham formado duas piscinas gigantes por trás dos pavilhões pré-fabricados da 1ª e 2ª classe.
Todos nós acorremos na antecipação excitada dos grandes momentos.
Eram de facto descomunais, ninguém conseguia saber com exactidão que profundidade teriam e para as atravessar seriam precisos pelo menos 10 passos em corrida determinada.
O espanto tornado pequenos gritos contidos durou uns instantes connosco estacados na margem inusitada, até que os mais velhos decidiram quebrar a magia do momento.
Com a rapidez própria das decisões excitadas e subversivas, os maiores de todos nós, os repetentes da quarta classe, empurraram todos os outros para dentro daquele mar e a loucura instalou-se descontrolada, até que as auxiliares e as professoras (obrigadas a deixar o aquecedor confortável da sala das contínuas onde passavam todos os intervalos) nos vieram buscar em gritos reprovadores.

Na confusão que se gerou nenhuma galochas conseguiriam proteger-nos das águas que volteavam nos ares em salpicos multidireccionais.
O susto, o entusiasmo, a excitação, a proibição, tudo concorreu para a profunda desordem que se instaurou e o resto do dia foi passado em camisola interior, cuecas e meias em frente ao aquecedor na sala de aula perante os olhares furiosos da D. Dores, nossa professora da primária.

Quando olhei pela janela para a Estrada da Luz inundada e cheia de transeúntes encharcados até à canela, apesar de toda a minha empatia e solidariedade, não consegui deixar de sorrir nesta revisita à liberdade das botas amarelas.

Talvez por isso, sobre a roupa sóbria de coordenadora de serviço educativo (gente séria, com responsabilidade) tenha calçado umas galochas (agora em versão cool de design sofisticado e urbano) e caminhado decidida para o trabalho, enfiando os pés em todas as poças do caminho.

Splash, splash, splash!

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sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Intimidades e contradições

Sonhar epopeias, actos heróicos e arrebatamentos ...
com o corpo embrulhado numa manta, enroscado no sofá.

(suspiro)

Do desassossego revisited



Não há visitas suficientes ao desassossego.
Na Comuna ele veste-se de monólogo inquieto na voz magnífica de Carlos Paulo.
Sem grandes artifícios nem dispositivos cénicos que nos distraiam do prazer profundo de cada frase, da metafísica angustiada de cada pensamento.
Um texto avassalador para saborear, intensamente, palavra a palavra.

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quinta-feira, fevereiro 14, 2008

saber ouvir no bulício da cidade


Declarações de amor, afectos, paixões secretas...
sussurros espalhados pelas esquinas.

para ti. para nós.

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quarta-feira, fevereiro 13, 2008

A rainha da noite



Quando as luzes se acendem há um momento de ilusão inicial em que o glamour invade o espaço do palco:
a maquilhagem irrepreensível,
os olhos de pestanas postiças e sombra carregada em tons de verde,
a pele cuidada e macia,
a cabeleira morena de caracóis largos e soltos,
a tiara e o colar de brilhantes,
os reflexos da boa branca a combinar com o vestido imaculado,
os sapatos de salto agulha para noites verdadeiramente especiais.

Mas dura apenas um segundo.
A crueza dos holofotes rapidamente revela a impostura requerendo coragem e determinação para enfrentar a plateia.
Os cinquenta e quatro anos cumprem-se na semana que vem e o corpo já não é o que era.
Uma barriga de cerveja deforma o vestido branco coberto de missangas e lantejoulas. As medidas mudaram e agora o vestido, magnífico, já não aperta nas costas. Em vez do fecho, uma fita de seda improvisada num laço comovente e desajeitado une, de forma precária e descuidada, as duas margens, deixando as costas nuas sob o escrutínio do público.
O uso esgaçou partes do tecido e rompeu a racha que, agora, sobe acima da linha das nádegas deixando a nú umas cuecas de homem pretas e deslocadas. Nos braços há tatuagens de outras guerras que contradizem a máscara feminina.
Se ao menos o palco estivesse na penumbra, a construção da ilusão poderia durar mais uns minutos.
Ainda assim os muitos anos de transformismo tentam soltar a diva ao som da banda sonora. Perante os olhos atónitos da plateia, uma Dalida reinventada dança e canta em trejeitos exagerados. O playback imperfeito é disfarçado pela profusão de movimentos e à medida que o tempo avança, e as músicas se sucedem, os poucos momentos de glória começam a desvanecer-se de forma confrangedora.
Ao fim de 30 minutos, a Dalida (que entretanto já foi Ágata e mulher traída) é nitidamente uma caricatura triste e desolada de si própria.
O homem, tantos anos a pisar o palco como mulher, já não é nem uma coisa nem outra.
Este é o seu território de glória e para ele/ela, nada mais parece importar.
As luzes cruas e duras iluminam-no só do lado do público, ele/ela, no seu enleio, parece não ver mais do que o mito do seu esplendor e continua a pavonear-se em poses de prima dona.
Nem a consciência da barriga de cerveja, das tatuagens de marinheiro em portos de má morte, do vestido esgaçado a mostrar mais do que intimidade intencional, parecem desfazer-lhe a memória do que já foi, e tenta voltar a ser aqui, neste espaço pequeno e pouco dado à criação de ilusões.
E perante tudo isto o grotesco instala-se dos dois lados:
na "falsa" diva, como complemento da personagem que já não sabe sair do palco por não conseguir habitar nenhum outro lugar de destaque,
no público, como catalizador do confrangimento, numa repentina sede de sordidez.
E enquanto ele/ela solta um discurso brejeiro de má revista à portuguesa, línguajar baixo de trocadilhos básicos onde o riso se convoca pela referência sexual e sexista, pela insinuação e provocação, pelo achincalhamento pessoal e alheio, pelo estereótipo, o público, pelo seu lado, incita, entuasiasma-se qual turba sedenta de mais exposição e hipérbole.
Talvez seja o mesmo sentimento mórbido pela desgraça alheia, que leva as pessoas a ver acidentes de perto, aquele que move os gritos de incitamento à continuação da mascarada, ao crescendo da brejeirice e nudez pública.
E eu, que sinto que passei de um filme do Almodovar para uma revista brejeira num qualquer bar de beira de estrada, só me apetece sair dali e não participar mais no incitamento colectivo à vergonha pública.
Demasiado consciente da dificuldade daquela criatura em abandonar um palco que lhe concede a ilusão de uma glória tão precária como as costas do vestido atadas com um laço improvisado, demasiado consciente da necessidade que o colectivo tem de encontrar bodes expiatórios para as suas frustações, medos e fantasias, demasiado consciente de que, ali sentada, ainda que indignada e confrangida, não sou mais que um participante passivo nos dois lados do palco.
(reflexão a partir de um espectáculo de transformismo no cabaré Evoé)

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terça-feira, fevereiro 12, 2008

4 meses, 3 semanas e 2 dias



Um drama nú e crú.
A vida num sistema de trocas, onde as perdas e ganhos se pesam sem contemplações nem reflexões morais e o silêncio auto-imposto funciona como escudo para o mundo (e a sobrevivência diária).

A ver no escuro do cinema, com um nó no estômago e um frio na espinha.
(e o corpo como campo de batalha)

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Ariadne




Ela entrou no labirinto para
salvar um homem (o fio, onde
é que deixei o fio?). Perdeu-se
e perdeu-o, porque já só pensa
no minotauro.

José Mário Silva

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sexta-feira, fevereiro 08, 2008

deixar o medo solto, sem trela




"Diz-se que para que um segredo não nos devore
é preciso dizê-lo em voz alta ao sol de um terraço
ou de um pátio.
Essa é a missão do poeta,
trazer para a luz e para o exterior o medo."

Sophia de Mello Breyner

O fim-de-semana anuncia bom tempo.
Encontremos os nossos pátios soalheiros e gritemos aos quatro ventos!

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