Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

quarta-feira, maio 28, 2008

Foto (s) síntese



Não resisti em fazer render o peixe com esta síntese das 4 imagens anteriores.
A falta de tempo tem-me guardado as palavras à espera de dias maiores. As sínteses são por isso o único registo possível no combate a estas horas fugazes sempre menores que o que seria necessário.
O regresso de Berlim foi feito há mais de duas semanas mas a vontade de partilhar as memórias permanece na ponta dos meus dedos.

É um cidade viva e jovem, onde tudo se faz de bicicleta e a história nos confronta em cada esquina. O leste tornou-se o verdadeiro coração da urbe e o muro (ou a memória dele) uma fronteira que delimita as zonas mais jovens e de maior dinamismo e crescimento.

Urbanisticamente é um espaço estranho, onde as grandes construções ideológicas do universo comunista partilham espaço com os novos marcos do capitalismo global. Metade da cidade é ainda um estaleiro em construção, que ocupa furiosamente as antigas terras de ninguém entre os dois lados da cortina de ferro, praticamente irreconhecível para quem a tinha visitado há 15 anos atrás ainda com as cicatrizes da história recente demasiado visíveis.

Agora os jovens tomaram de assalto os bairros de leste (mais baratos) que se tornam zonas de bares, cafés e restaurantes com graça e gosto, lojas de design e ambiente descontraído, ora irreverente ora cool-urbano. Mantém-se bolsas de cultura punk e antigos funcionários cinzentos e rudes, decididos a penalizar todos os que se lhes dirigem com toda a metodologia STASI que sofreram na pele.

A segunda guerra mundial e a guerra fria marcam itinerários e paredes com buracos de balas e obuzes, guaritas de vigilância, ruínas de muro, checkpoints, bunkers e memoriais (de libertação e ocupação segundo o ponto de vista ideológico). A nostalgia surge de quando em vez como seria de esperar no confronto com a falha rotunda de grandes promessas ideológicas e ainda que ingénua, nota-se por vezes um certo carinho no retrato de uma determinada Berlim Oriental com os seus Trabant de estimação, as suas férias predestinadas e as suas casas-tipo (a mascarar a violência da uniformização e da anulação da liberdade individual).

A ironia habita inexoravelmente muitos dos espaços: um memorial aos judeus mortos pelo regime nazi construído sobre o bunker de Goebbels e a 100 m do bunker de Adolf Hitler e pintado com uma tinta produzida por uma firma subsidiária da antiga firma que produzia o gás mortífero Ziclon B usado nos campos de concentração; o antigo parlamento de berlim leste destruído para voltar a ser o palácio dos reis da Prússia e dar origem a mais um centro comercial com hotel de luxo (mesmo nas costas das esculturas de Marx e Engels).

Como se o cosmos ironizasse de si próprio através dos homens e das suas contraditórias formas de materialização histórica!

Mas regra geral é uma cidade amigável, descontraída e fervilhante, onde o custo de vida é igual (e nalguns casos inferior) ao de Lisboa e onde o prazer de transformar todas as deslocações em passeios cicláveis alimenta a sensação de que tudo está próximo e acessível e de que a liberdade de movimentos é total.

Recomenda-se vivamente:
Alugar bicicletas.
Fat Tire Bike tours (fizemos o city tour para um contacto panorâmico com a cidade e o Cold war and berlim Wall tour, para um conhecimento mais aprofundado da história recente).
Hamburger Bahnhof (Museu de arte Contemporânea)
Pergamon Museum (as portas da babilónia valem por toda a visita)

terça-feira, maio 20, 2008

Poesia Visual em 4 actos






Uma versão poética de Berlim
(nas zonas novas e governamentais, onde o betão se entretece de forma surpreendente com o verde das jovens árvores primaveris)
Maio 2008

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quinta-feira, maio 08, 2008

Pina Bausch Café Müller


Colada à cadeira recebi cada movimento dos bailarinos no palco como um murro no estômago.
O desespero e o abandono feitos dança numa coreografia que violenta o corpo atirando-o contra os limites do palco contentor, intensificando as emoções e a entrega de forma avassaladora.
Hoje espera-me Mazurca Fogo, mais feérica, a aliviar as penas deixadas pela experiência de segunda-feira.

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terça-feira, maio 06, 2008

Álbum de retratos



Quanto de memória real existirá no nosso olhar, inevitavelmente retrospectivo, sobre as fotos de infância?
Uma parte considerável destas memórias é tanto construção a partir do que nos contaram como do que ficou plasmado nestes instantâneos cristalizados ao longo do tempo e que transferimos para o arquivo de imagens da nossa autopercepção.
Eventualmente não poderia ser de outra forma, o excesso de consciência, a memória total e avassaladora de todos os instantes, de todas as experiências, de todas as imagens, daria certamente cabo de nós.
Mas se a nossa identidade se constrói na sua base primeira a partir destes relatos familiares, destes fragmentos fotográficos, quanto da nossa ideia de nós mesmos será fruto de interpretações sobre as interpretações que o tempo e as pessoas nos legaram?
Quantas leituras terei eu feito de mim mesma a partir dos frágeis processos selectivos e reconstitutivos da memória dos sujeitos que os partilharam comigo?
Quantas explicações metafísicas assentei e fundei, convicta e inteiramente, em relatos tão mutáveis e efémeros?

Talvez por isso haja dias em que me observo insistentemente, olhos nos olhos, nas fotografias de criança à procura de uma qualquer outra verdade. E encontro um olhar adulto, sério, por vezes demasiado assustador na sua excessiva seriedade para tão breves anos, que, como um espelho, mais não faz que devolver, ampliadas, as minhas dúvidas e inquietações.
Na verdade, não saberia sequer dizer se me reconheço naquela miúda de olhos inquisidores ou se, simplesmente, me habituei a ver-me nela ao longo dos anos.
Já não consigo distinguir as semelhanças de tão miscigenadas que estamos por termos crescido a olhar uma para a outra: ela imutável no papel fotográfico, eu a mudar todos os dias na dimensão temporal e efémera que me cabe viver.
Será que me reconheço nela porque me habituei a pensar que ela sou eu?
Se nunca tivesse visto uma única imagem de mim enquanto criança saberia reconhecer-me, tal como costumo reconhecer todos os outros nas suas imagens infantis?
Saberia ler os meus traços?
Aquela miúda que me espreita em cada retrato é-me demasiado familiar enquanto imagem para a conseguir ver realmente. Cresci a ouvir "olha aqui estás tu com 3 anos" e passei a ser aquela ali com 3 anos mas nunca saberei se diria espontaneamente "olha, esta aqui sou eu!" se nunca tivesse alimentado o meu arquivo pessoal com todas estas imagens prévias.

E tenho de confessar que me perturba bastante saber que parte considerável da nossa identidade se funda em premissas tão frágeis.
Quanto das nossas memórias será pura reinvenção?
Quanto da nossa consciência de nós será pura projecção?

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