Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

quinta-feira, outubro 26, 2006

a menina dança?






Barcelona, Parque de la Ciutadela, fim de tarde soalheiro - Outubro de 2006

O mundo conflui e mistura-se nos recantos verdes do parque.
O Verão prolonga-se Outono dentro enganando os corpos estendidos na relva a aproveitarem os raios de sol quente.
Tudo fervilha de actividade e lazer.
Bicicletas, patins, malabarismos, crianças em carrinhos, batuques ao longe. Os sons e os cheiros multiplicam-se nos linguajares diversificados.
O mundo teima em encontrar-se nestas encruzilhadas híbridas e nós miscigenamo-nos com gosto nesta Babel, tombados à sombra, aproveitando as tréguas que nos foram concedidas por estes dias.

De repente o tango surge, imprevisto, e os chinelos trocam-se pelos sapatos de salto.
O coreto transmuta-se e as pessoas, normais, banais, descontraidas, que conversavam em pequenos bandos dispersos metamorfoseiam-se em bailarinos.
Colados, convictos, sensuais.
Neste pequeno espaço um "tijolo" despeja música de paixão e drama e os pares rodopiam sábios. As pessoas chegam sorridentes, cumprimentam-se, mudam de tom e de postura, e entre um beijo e outro, lançam-se à pista como quem não quer nada.

Provavelmente são amigos que se cruzam nas salas de baile de alguma escola pois reconhecem-se-lhes cumplicidades, (an)danças, histórias, passos encenados.
Os saltos sensualizam as pernas das mulheres, as calças de ganga parecem traje de gala. O tempo muda.

E nós, já despertos, encostados ao ferro trabalhado do coreto, espreitamos ávidos estes pés que se arrastam em movimentos precisos.
Sussurando baixinho: a menina dança? e mexendo disfarçadamente os dedinhos dentro dos sapatos.

Compassos de espera



Estamos de menos 11 semanas, a barriga não mexe e a contagem negativa ainda está longe de terminar.
Assim se contam as semanas de uma gestação que se decide em gabinetes, papéis, testes e entrevistas.
Daqui a 11 semanas, se tudo correr bem, seremos finalmente um casal adoptante e poderemos retirar o sinal menos ao tempo desta espera, acrescentando-lhe no entanto muito mais dias (longos mas não maiores).
No total, uma gravidez de adopção dura em média 3 a 4 anos, pelo que teremos à nossa frente a bonita conta de 208 semanas, mais coisa, menos coisa!!!

E isto não porque não existam crianças para adoptar mas porque o processo é complexo e moroso nos tribunais.
Em Portugal a maioria das crianças institucionalizadas não foram dadas para adopção. Quer isto dizer que os pais não consentiram oficialmente em perder a tutela dos filhos ainda que na maioria das vezes os tenham manifestamente abandonado.
Isto cria um problema legal grave uma vez que a criança só pode ser considerada para adopção se, quando institucionalizada, estiver mais de 3 meses sem qualquer visita dos pais biológicos, situação que muitas das vezes não se verifica uma vez que basta uma breve visita à instituição (duas horas, numa tarde perdida, que não se voltam a repetir por mais 3 meses) para que a contagem de tempo recomece novamente.
O mesmo acontece com as crianças que são retiradas às famílias por situações de abusos, maus tratos, negligência, incapacidade e institucionalizadas na sequência deste processo, uma vez que a lei privilegia a possibilidade de reestruturação da família original (que na maioria das vezes não acontece) em vez da efectiva qualidade de vida e equilíbrio das crianças em questão.

É isto que explica que dos cerca de 11 mil menores que vivem em instituições apenas 800 cumpram os requisitos que os tornam "adoptáveis". (dados de 2005)
E é isto que faz também com que, em última análise, a grande entidade parideira para os pais adoptantes sejam os tribunais, e as parteiras de serviço, os juízes!
Ou seja, no meio de tudo, os miúdos são o que menos importa!

O sistema judicial português tende a proteger quase sempre os direitos biológicos pelo que atrasa sistematicamente a resolução destes casos. Há milhares de crianças à espera de uma hipotética reestruturação familiar e outras tantas no espaço delicado do in between (entre qualquer coisa): com regressos a casa esporádicos (na maioria das vezes falhados), novos abandonos posteriores e a vida suspensa.

Esta situação dificulta grandemente a adopção de bébés, pois apesar de haver muitos, o processo de legalização leva tanto tempo que antes da criança ter um ano dificilmente está resolvido.
Como a maioria dos candidatos deseja, compreensivelmente ter um bébé, as listas de espera são enormes (cerca de 3 mil casais em 2005).
Enquanto isso aqueles que já foram bébés vão crescendo e saindo do estado de graça no que se refere à possibilidade de adopção pois a partir de determinada idade os medos dos pais adoptantes sobrepõem-se à vontade de ter filhos. É que a dificuldade de adaptação a uma nova família não se prende tanto com a idade mas sim com a qualidade e o tipo de vivências que as crianças tiveram e deste modo, os 3 anos (com as histórias de vida que trazem como lastro), surgem como fronteira para a maioria dos casais e como crivo para maioria das crianças.

Como diz Luís Villas Boas, presidente da Comissão de Acompanhamento da Execução da Lei de Adopção, "a celeridade dos processos quando lidamos com bebés e crianças [é] parte integrante dos seus direitos humanos".
E enquanto a celeridade desejada se não concretiza, os dias de todos os envolvidos fazem-se demasiado grandes, mas não maiores, em vidas tão pequenas.

quarta-feira, outubro 25, 2006

desabafo



Isto de andar a pé cria ilusões interessantes.
Uma delas é a de que este meu blogue mexe mais do que mexe na realidade, pois a cada passo de caminho vou estruturando posts e arrumando fotos, numa agenda pessoal e virtual que não chega nunca a plasmar-se no écran.
E assim, a angústia de vos saber aqui, a reler vezes sem conta as mesmas parcas palavras, pesa-me menos nesta ilusão de que os posts arrumadinhos ao longo do caminho hão-de ver a luz cibernética algum destes dias.
Eles vêm aí.

Obrigado por não desistirem facilmente.