Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

quinta-feira, agosto 21, 2008

tecer amarras em fundo vermelho



Suomenlinna (finlândia), julho de 2008

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terça-feira, agosto 19, 2008

finnish wood





hammenlinna (finlândia), julho 2008

terça-feira, agosto 05, 2008

portas travessas e opacas







Nas viagens fascina-me sempre como será a vida real das pessoas por trás das janelas e portas fechadas.
Que hiatos, que diferenças, que mistérios se desenham entre a fachada para turista ver, a percepção distorcida do nosso encontro com o desconhecido e a vida real e quotidiana das pessoas que habitam os locais visitados?

Na Holanda por exemplo, onde as janelas são amplas e despudoradamente sem cortinas, a curiosidade sempre me tornou um voyer compulsivo, sem que a plena consciência da culpa consiga deter o acto de violação do espaço privado pelos meus olhos gulosos.

Há uma única frase que vale a pena no filme estónio Baile de Outono (se alguém viu apenas o trailer tem os ingredientes suficientes para a compreensão do filme todo pois o desenvolvimento da película não é mais que o desenrolar do círculo vicioso e profundamente desinteressante das personagens disfuncionais, afundadas no isolamento e em todos os lugares-comuns do desespero e desencanto).

"Dentro de cada um daqueles caixotes há uma pessoa a tentar ser feliz."

E é esta noção, esta demanda incessante pela felicidade, a sua construção diária nos mais pequenos e rotineiros gestos e na matéria de que nos rodeamos, que me fascina e convida a violar as fronteiras ténues entre o privado e o público.

Como procuramos a felicidade? Como a concebemos? Como nos apropriamos dela e transpomos para o mundo que nos rodeia? Como a materializamos nas coisas, nos gestos, nas palavras, nas relações?
Onde acaba o artifício, a ilusão, a encenação social e começa o real?
O que é o real?

Como se o espaço íntimo que habitamos e a forma como nos movemos quando nos julgamos fora do alcance do escrutínio dos outros fossem os únicos portadores de uma verdade qualquer interior que raramente se revela ao mundo e que apenas uns olhos violadores, mas imperceptíveis aos actores destes momentos de vida real, pudessem vislumbrar.

A viagem à Finlândia foi pobre em violações voyeuristas.
O espaço privado é aqui vedado ao olhar alheio tanto nas casas como nas relações humanas. A barreira linguística é uma realidade difícil de transpor. Nunca em nenhum outro sítio foi tão vívida a noção permanente de tradução-traição. Como se o significado das coisas ficasse sempre num qualquer outro espaço para além da nossa compreensão aproximada.

A simpatia e acolhimento prestados aos visitantes, quando existe, é formal e funcional, nunca transpondo a linha da pura prestação de um serviço distanciado. Calor e contacto humano com desconhecidos só mesmo no universo da sauna onde os humores do corpo libertam alguns constrangimentos sociais mais arreigados e permitem a troca de palavras.

Acho que nunca uma viagem nos deu tão pouco contacto humano com os autóctones. Nos anais da viagem só uma vez registámos uma tarde calorosa de conversa solta com alguém que não conhecíamos: uma espanhola excepcional que nos relembrou o prazer ibérico de saborear palavras e histórias envoltas numa bebida fresquinha.

As paisagens geladas e o isolamento florestal devem ter feito florescer almas mais introspectivas e quietas, ou pelo menos um maior distanciamento face ao outro que impede a aproximação fácil (uma vez que os muitos jovens deitados ao sol em conversas animadas contrariam a tese da pura solidão e quietude).

O álcool, esse grande "amigo" da desinibição, abunda em todos os contactos sociais. Bebe-se muito. Grandes latas de cerveja nos fins-de-tarde-de-luz-interminável nos relvados, nos piqueniques a aproveitar o sol inusitado, grandes copos de litro à noite nos bares, até cair para o lado nos cruzeiros entre Helsínquia e Estocolmo onde as bebidas são tax free.

Mais que um ingrediente, a bebida parece ser uma necessidade na socialização. Uma condição sine qua non para a possibilidade de vivência de um estado de felicidade individual e colectivo. Sei que esta é uma realidade banal, espalhada pelo mundo, globalizada antes da própria globalização (provavelmente tão antiga quanto a própria condição humana) mas não deixa nunca de me incomodar a ideia de que a felicidade seja tantas vezes sinónimo de alienação alcool-induzida.

Em Tallin, que visitámos numa incursão relâmpago à Estónia, vivemos as contradições inerentes aos espaços turísticos, tornados património mundial pelo seu passado histórico e votados a um turismo contemporâneo, massificado e consumista.
Aqui, no centro histórico bem arranjado e preservado de uma cidade que se expande muito para além do olhar em adivinhados (mas não vistos) bairros periféricos cinzentos e soviéticos, a vida parece de brincar.

As esplanadas cheias, as torres e muralhas medievais magníficas, os prédios setecentistas pintados de imaculadas e perfeitas cores pastel, tudo se alia para a experiência turística perfeita da carta postal.
No burburinho babélico das gentes pouco se adivinha do desconforto do passado próximo que se visita no Museu das Ocupações e que sabemos existir nos bairros de arranha-céus impessoais da cidade actual.

A nova geração com que contactámos vive uma identidade europeia feérica de manual de Novo Cidadão Europeu que contrasta com a percepção que temos das feridas deixadas por um regime soviético demasiado recente, demasiado violento, demasiado aniquilador das vontades.
Nos mais novos há uma negação ostensiva do passado recente, como se essas raízes não tivessem importância e fossem discurso de pais e outros adultos amargurados sem qualquer ligação com a realidade do aqui-e-agora estónio.

Por tudo isto, no meio das praças de edifícios fabulosos recém-pintados de fresco, senti tanta vontade de mergulhar no interior das casas reais da cidade que se pressentia além muralhas. Sair do universo de brincar e entrar nos espaços menos perfeitos da vida de todos os dias.

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Verdes murmúrios entre a terra e a água





segunda-feira, agosto 04, 2008

Löyly... FSSSSSSSS!!!!

Para os finlandeses a sauna é parte integrante da vida e uma prática de purificação quotidiana.
Existem no país cerca de 1 milhão e seiscentas mil saunas, praticamente uma para cada quatro habitantes, nas quais tomam parte todos os elementos da família (crianças pequenas, bebés e mulheres grávidas incluídas - tradicionalmente era na sauna que se dava à luz!).
Este é um espaço de sociabilização, sem qualquer conotação sexual apesar da nudez dos corpos, onde gente de todos os tamanhos e formatos partilha o espaço apertado e o calor intenso como uma benesse relaxante e revigorante com um carácter quase ritual.
As saunas familiares são mistas, as saunas públicas, que existem ainda na maioria das cidades, normalmente separadas.

Em Tampere frequentámos uma sauna pública. Na verdade, a sauna pública mais antiga da Finlândia ainda em funcionamento e como tal um espaço bastante sui generis e muito afastado da versão de madeira asséptica e moderna da maioria dos ginásios.
Aqui, numa casa de madeira pintada de amarelo que já tinha visto melhores dias, no bairro operário de Rajaportti, a sauna é ainda aquecida a madeira pelo que o cheiro a fumo inunda agradavelmente todo o local.

Para aceder, atravessa-se um pátio ao ar livre com gente embrulhada em toalhas sentada descontraidamente em bancos de jardim à vista da rua e de quem passa, bebendo cervejas e conversando alegremente, compra-se a entrada a um homem mal encarado com ar de porteiro de bar de má vida e segue-se para os vestiários, uma salinha de madeira pintada de azul com ar de escola primária antiga.

A sala de sauna fica depois da porta do fundo. Entrei a medo, e quando descobri que estava sozinha explorei o local procurando descortinar as regras a seguir. A sala, totalmente feita de alvenaria, partilha uma imensa fornalha com a zona dos homens. Nesta fornalha, que ocupa toda a parede, cozinha-se o calor que inunda o primeiro piso e que se destina ao nosso bem estar.

No piso de baixo, descendo três degraus, um tanque também comum tem água quente e fria para os banhos e várias conchas e baldes para as lavagens que antecedem e sucedem a suadeira tão desejada. No piso de cima (uma espécie de mezzanine com ar caseiro e enegrecida pelo fumo) um banco de madeira corrido rodeia as paredes e espera pelos participantes no ritual.

Sem ninguém para copiar procedi a uma lavagem inicial antes de subir, cheia de dúvidas se para o fazer a preceito deveria escolher algum dos recipientes de formas diversas que se encontravam no tanque.
Na sauna não são permitidos fatos de banho nem toalhas (à excepção duma pequenina para nos sentarmos). Aqui o corpo nú oferece-se sem resistências nem pudores ao calor benéfico. A toalha serve apenas para nos cobrirmos no pátio comum onde se descansa entre sessões.

O calor é verdadeiramente intenso, a fornalha faz bem o seu trabalho, e os primeiros minutos são de habituação um pouco difícil. O cheiro a fumo é mais intenso e mais agradável do que pensei e aos poucos uma sensação de relaxamento e de bem estar começa a invadir os membros. O suor forma-se e corre em gotas livres pelo corpo. O processo de desintoxicação teve o seu início.

Na zona dos homens o procedimento completava-se sem o meu conhecimento. O J., acompanhado de um senhor finlandês simpático mas sem falar uma palavra de inglês, respondia amavelmente que sim à pergunta incompreensível: Löyly?!

O senhor, solícito, desceu então os degraus, abriu a porta da fornalha e lançou nela duas vigorosas conchas de água para produzir vapor e mais calor.

Uma nuvem escaldante sai da fornalha e inunda todo o compartimento de cima.
No meu lado, alheia como estava do que se passava a paredes meias o sentimento foi de grande dúvida: o que é que está a acontecer? Fico, cozo viva mas aguento-me como uma mulher nórdica ou fujo sem honra nem glória?

Cozi.
Sentada, com as orelhas a escaldar e o nariz meio cozinhado, aguentei o impacto e, depois do pânico incial, comecei a perceber os seus efeitos.
Depois do sofrimento inicial a sensação de bem estar provocada por este aumento de calor é incrível. Um banho frio no compartimento de baixo e dez minutos de descanso no pátio a ver quem passa, são a conjugação perfeita.

Repetimos todo o processo 3 vezes e ficámos leves como penas, com as inquietações e preocupações deixadas bem cozidas algures na salinha de sauna.
Uma experiência a revisitar muitas mais vezes.

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