Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

quarta-feira, janeiro 31, 2007

e lá vamos nós dar às bicicletas!


(imagem obtida via a barriga de um arquitecto)

Em torno do tema da mobilidade nas cidades vale a pena ler o excelente post na barriga de um arquitecto

E se quiserem ver de facto como as medidas têm de fazer sentido numa política coerente de criação de novas infraestruturas e promoção de novos hábitos, aqui vai a campanha pelo uso da bicicleta em Londres.

Ainda estamos a anos luz!

sexta-feira, janeiro 26, 2007

pasión argentina é boa para a tosse!




Na terça feira à noite a paixão invadiu o palco do Grande Auditório pelas mãos e arcos do Octeto Ibérico de violoncelos.

E o namoro foi tão intenso e eficaz que até os crónicos pigarreadores da plateia se esqueceram de tossir nas pausas.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

ouro, incenso e mirra


Desde que o pequeno Gaspar entrou nas nossas vidas que um desassossego bom nos povoa os dias.
A emoção de ser mãe não se comparará com a de ser tia, mas a mim, que me tocou a segunda categoria, a emoção de ter aquele pedaço de gente nos braços e saber que é meu sobrinho é já em si uma experiência tão inebriante que me deixa muitas vezes num estado de comoção aparvalhada no qual habitualmente não me reconheceria.
É que apesar de uma gravidez nos preparar para a recepção de uma nova criança nunca nos prepara verdadeiramente para o turbilhão de emoções que todos os estados de paixão implicam, inexoravelmente.

E assim, temos invertido a história bíblica e andamos todos a atravessar meio mundo para adorar o Gaspar, rei mago que passou de adorador a adorado, de ofertante ao presente mais importante do ano.

Entretanto, outros nascimentos se preparam em secretárias e papelada.
Lentos e burocráticos.
Estamos neste momento de menos 3 semanas.
Quer isto dizer que o dia 15 de Fevereiro marcará finalmente o início da contagem positiva desta gravidez diferente. Nessa data termina o prazo de avaliação da candidatura a casal adoptante e, cinco entrevistas e seis meses depois, termina todo este período de escrutínio para dar lugar à espera oficial (se o veredicto for positivo, claro está!).
Daí para a frente o tempo que nos separa da parentalidade é de 3 a 4 anos o que, tendo em conta que a nossa pretensão é uma criança até 2 anos de idade, quer dizer que o nosso futuro rebento, neste momento, ainda nem sequer foi concebido!
Até lá vamos treinando como tios e esperando pelo parto telefónico que nos fará pais.

terça-feira, janeiro 23, 2007

And hold on to the dream!


Há discos que carregam em si todo o peso da existência.
Foram por isso discos que atravessaram as crises existenciais adolescentes e me mergulharam vezes sem conta nesse misto de desespero e rebeldia que antecede as verdadeiras metamorfoses da vida.
The Final Cut dos Pink Floyd foi um desses momentos musicais, banda sonora do crescimento, em anos em que a força interior se me dilacerava em vontades contraditórias, paixões impossíveis, missões urgentes e utópicas, e uma vontade louca de mudar o mundo.
E se a ambiência generalizada do disco se mistura numa tensão forte/fraco, optimismo/pessimismo, desespero/esperança, sempre houve para mim uma faixa onde tudo isso se tornava de tal maneira notório, límpido e verdadeiro, que as entranhas ainda hoje se me contraem quando a escuto com orelhas de fazer caso.
The Gunners Dream é um sussurro tenso que se desenvolve até um grito, mais ou menos a meio da música, prolongado por um solo de saxofone.
E eu ansiava com o coração acelerado, num crescendo de emoção contida por essa pausa magistral, a suspensão no tempo que prepara o ouvinte para a frase principal, o verdadeiro grito que fica a soar depois das palavras se terem desvanecido.
And hold on to the dream.....
Este era o momento da viragem em que o desalento se transformava em força, em que a angústia se transformava em prazer e vontade de andar para a frente.
Ainda hoje revivo este rodopio de emoções de cada vez que revisito o disco. Como se o poder dos gritos verdadeiros residisse de facto naquela frase e naquele solo, numa espécie de elixir contra a apatia e a resignação.
Que bom é estarmos vivos!

quinta-feira, janeiro 18, 2007

bicicletas na cidade



Sonhei uma vida inteira com as urbes europeias onde tudo se faz de bicicleta.
Anseio por isso por ciclovias, parques para bicicletas, gentes de todas as idades a dar ao pedal, vento na cara e cestos para as compras no guiador.

Lisboa é uma cidade difícil, cheia de colinas, carros, trilhos de eléctricos, passeios com carros estacionados e uma desatenção crónica ao peão e, por extensão, ao peão em upgrade, que é mais ou menos o estatuto de um ciclista na grande urbe.

Ainda assim, Domingo, manhã cedo, com a humidade condensada frente à boca em cada expiração, lá fomos nós, bicicleta pela mão, tentar a nossa sorte.

Começámos pelo metro, que à noite e aos fins de semana deixa transportar bicicletas, mas se esquece que isso implica ter os canais especiais em funcionamento e nos obrigou, portanto, a verdadeiras acrobacias para podermos sair e entrar das estações.

Vencidos os primeiros obstáculos e os olhares de estranheza dos outros utentes, começámos a pedalar na Rua do Ouro, rumo ao Terreiro do Paço, Jardim do Tabaco e Santa Apolónia.

O objectivo era chegarmos à Expo (sãos e salvos de preferência) e perceber se haveria algum percurso alternativo para o fazermos em segurança.

Por alturas de Santa Apolónia começamos a ver mais ciclistas e percebemos que há uma estrada secundária que percorre todo o terminal TIR ao longo do Tejo.

Inflectimos portanto para a direita na Bica do Sapato e daí para a frente são 12 quilómetros de caminho fácil e ininterrupto até à ponta Norte da Expo, numa experiência esteticamente estranha mas estimulante que permite breves momentos ladao a lado para dois dedos de conversa durante a pedalada.

À nossa volta o cenário oferece zonas industriais, carris abandonados, vagões de mercadorias, silos e contentores.

É uma outra Lisboa, bruta, metálica, meio abandonada, pontuada pelo calor humano dos ciclistas que passam e se cumprimentam uns aos outros num sorriso de cumplicidade.

O percurso tem algo de iniciático, de clandestino e talvez por isso a chegada à expo seja tão desconcertante: uma lufada de vida, cor e movimento, onde os ciclistas iniciados (essa comunidade que conhece e partilha o caminho e se cumprimenta num ritual de reconhecimento e pertença) se diluem na multidão que pedala, patina e passeia um pouco por todo o lado.

Mais à frente, já junto a Sacavém, no extremo final do recindto da Expo, um pai e um filho de 8 anos pedalam lado a lado e conversam animadamente. Uma frase solta-se no ar, mais nítida quando os ultrapassamos: "Olha por exemplo o caso da Irlanda. Os protestantes e os católicos também ainda não resolveram os problemas..."

Entreolhamo-nos.
Muito se aprende em cima do selim, a bicicleta inspira as conversas mais incríveis!

Quantos outros caminhos clandestinos (ciclovias possíveis?!) haverá escondidos por Lisboa?
Na minha caminhada matinal, não há dia em que não veja um ou dois ciclistas solitários que insistem em criar uma alternativa ao trânsito no centro da cidade, uma alternativa não poluente, sem ruído, sem engarrafamentos nem problemas de estacionamento.

Temerários que desafiam a topologia e o suposto bom senso pragmático que teima em afirmar que Lisboa não é uma cidade ciclável.

Existem estudos que mostram a possibilidade da criação de ciclovias na cidade de Lisboa aqui, há gente empenhada em mostrar que apesar das vicissitutudes há espaços cicláveis na capital, há um investimento que poderia ser feito neste sentido e há um público atento e cheio de vontade de participar nesta transformação.

Quanto a mim, tenciono pôr-me ao caminho mais vezes e garanto que o cestinho para o guiador já está na minha lista de compras.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

BICHO


Sou bicho
Sou animalito
Sou ser vivente
Sou cobra-bicho
Que come animalito
Sou ser-pente
Penteio flores
Sou aranha-bicho
Faço teia linda
Com muitas cores
Sou arranha-bicho
Sou bicho com unha
Pendurado em árvore
Como fruta de flor
Sou bicho-sapo
Coaxo como chocalho
De vaca passeando
Em manhã de orvalho
Sou peixe-bicho
Sou bicho veloz
Sou pão de lontra
Amigo do coral
Sou bicho oval
Boto ovo azul
Meu pintainho é de linho
Sou bicho-beija-flor
Bebo mel das caricas
E cheiro a mangerico
Sou bicho-mião
Como semente de melão
Cuspo em bicho papão


Catarina Peça

terça-feira, janeiro 02, 2007

um louco 2007



“Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-lhe, e ganhar-lhe
ao ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira para tudo

Tu só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais.
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
A quem tas vier buscar.”

Reconhecimento à Loucura
de José de Almada Negreiros