Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

segunda-feira, abril 28, 2008

duplos

«O que a minha linguagem esconde, di-lo o meu corpo.
O meu corpo é uma criança teimosa,
a minha linguagem é um adulto muito civilizado…»

Roland Barthes, Fragmentos de Um Discurso Amoroso

o céu como um grande queijo suíço


Carcavelos, 26 Abril 2008

quarta-feira, abril 23, 2008

"saibam que há gritos como há nortadas, violências famintas de ternura"



Sempre gostei da força contida nas palavras do Torga.
Um homem que decide reinventar-se com nome de urze rasteira, resistente aos ventos, capaz de sobreviver às violências da intempérie, só podia responder a um apelo telúrico.
A poesia nunca cessará de me fascinar pela capacidade que tem de franquear as portas da alma e do mundo como nenhuma outra arte.
A palavra esgrimida como arma nas múltiplas batalhas da condição humana.

Orfeu Rebelde

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que ha' gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legitima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.

Miguel Torga (1958)

domingo, abril 20, 2008

assim ando eu nos dias que correm...


ilustração André da Loba

... com a cabeça cheia de labirintos...

sexta-feira, abril 18, 2008

acasos históricos

“Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio.
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido o português.”

Osvaldo de Andrade

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sábado, abril 12, 2008

transitoriedade e paradoxos

Nas viagens de avião o tempo mede-se em estranhezas várias.
Hoje, saí de Madrid às 20h10 e cheguei a Lisboa às 20h10 do mesmo dia.
Segundo o relógio é como se esta hora nunca tivesse existido.
E no entanto ela inscreve-se, verdadeira e fugaz, na memória do meu corpo... e do universo.

quinta-feira, abril 10, 2008

Madrid revisited

Se há característica que me agrada é esta capacidade de nunca me perder que me permite calcorrear cidades que mal conheço, mudar de rua e direcção de todas as vezes que me apetece, sem nunca perder os referentes básicos que me permitem chegar onde quero.
É que esta sensação de domínio do território, que aos poucos se inscreve e grava como um mapa mental, confere-me uma tal sensação de segurança e conquista que me permite a descontracção necessária para saborear os espaços novos, perdendo-me de verdade sem nunca ter medo de perder o rumo.
Talvez por isso as cidades que visitei se tenham inscrito de forma indelével nos meus passos, de tal maneira que posso regressar a elas caminhando com a segurança de quem conhece todos os caminhos ainda que os percorra pela primeira vez. E é na verdade esta sensação que me permite enfrentar sozinha os espaços do mundo, reforçando a confiança em cada esquina e decisão tomada nas encruzilhadas dos caminhos.
Caminhar é uma forma fundamental de saber.
O tempo e o movimento conjugados no desenho de geografias pessoais e por isso mesmo muito mais capazes de perdurarem na memória do corpo.
Os meus mapas pessoais são sempre pedonais.
Os passos a desenharem as fronteiras e pontos de referência, a cadência do caminhar a marcar os ritmos de apropriação deste espaço dilatado e contraído em função dos estados emocionais e pensamentos que nos acompanham a rota e o percurso.
Só os pés esboçam realmente as cidades.

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quinta-feira, abril 03, 2008

o bosque aqui tão perto



Têm sido dias de experiências intensas e gratificantes.
Ao muito trabalho que caracteriza os meus dias, sempre mais pequenos que o que gostaria, tenho vindo a juntar aos poucos algumas doses de prazer e escape.
O teatro e a dança, duas áreas de consciente investimento, têm ajudado assim a expandir as fronteiras temporais das horas que o relógio guarda, cioso, encerradas no seu círculo vicioso e viciante, tornando os meus dias infinitamente maiores (não menos cansativos é certo, mas muito mais gratificantes).

Redescobrir áreas de puro prazer há muito esquecidas faz-me com frequência repensar nas prioridades que estabelecemos na vida e nos projectos que, com o tempo, vamos deixando cair. Mais que o tempo a passar, inexoravelmente, assusta-me a forma como passamos por ele e ele por nós sem nos cruzarmos realmente.
Não é o medo da velhice que receio mas o do vazio e da gratuitidade.
Uma corda bamba de equilíbrio difícil e precário onde o prazer e o dever nem sempre se apresentam nas formas justas.

"Fui para os bosques porque desejava deliberadamente viver, enfrentar apenas os factos essenciais da vida, e ver se poderia aprender o que ela tinha para ensinar, em vez de, quando estivesse para morrer, descobrir que não tinha vivido."
Henry David Thoreau In Walden

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