Corri esbaforida passeio fora na tentativa de atrasar os ponteiros do relógio. Maldice todos os semáforos que se puseram vermelhos para os peões e me atrasaram ainda mais a marcha, atravessei sem ser a minha vez esquivando as buzinadelas e reclamei contra todos os carros mal estacionados em cima do passeio que me obrigavam a múltiplos ziguezagues.
Tinha marcado uma massagem com pedras quentes e frias porque precisava muito de relaxar e encontrar tempo só para mim e por isso corria agora deitando os bofes pela boca.
Lá dentro a moça tailandesa acabava de deixar o último cliente deitado na calidez do gabinete e saíra com pezinhos de veludo para descansar um bocadinho antes da próxima sessão.
E foi aí que entrei de rompante numa lufada de desassossego.
Era preciso esperar, o último cliente chegara atrasado e ainda estava a descansar.
Vermelha, suada e esbaforida reprimi mais uma maldição e tratei de resolver mais uns assuntos ali perto enquanto não chegava a minha vez.
Descansar na sala de espera não me dava jeito e assim ainda tinha tempo de ir pagar umas coisas ao multibanco e telefonar para o trabalho a dar umas últimas instruções.
Vinte minutos depois voltei a entrar com ar de urgência, ainda vermelha das múltiplas correrias.
Já estava tudo a postos e mandaram-me entrar no espaço minimal do gabinete, com som de água corrente e pétalas espalhadas pelo chão.
Foi aí que me lembrei que secalhar era melhor ir à casa de banho antes e pedi para voltar a sair esbarrando com a pacata moça tailandesa e espalhando o conteúdo da mala pelo chão. Dez maldições reprimidas e mais de cinquenta idas e vindas por causa das coisas caídas depois, pude finalmente entrar e respirar fundo.
Agora é que é, pensei, e esforcei-me por me colocar em estado zen.
O espaço estava na semi-obscuridade, uma música suave soava baixinho e uma pequena fonte fazia o som da água a correr que já tinha ouvido antes. O chão e a marquesa tinham pétalas vermelhas espalhadas de forma harmoniosa e o tempo parecia correr a outro ritmo dentro da salinha aquecida.
Mandaram-me despir e deixaram-me só.
Ao princípio foi fácil (despir-me eu sabia) mas depois começaram as dúvidas: devia vestir o roupão para estar mais composta (não me apetecia ficar ali meia nua)? E depois como é que ela faria a massagem, teria de me despir outra vez? Deveria ficar assim à espera dela? Devia deitar-me?
Optei por deitar-me na marquesa de roupão e esperei fazendo respirações profundas para me preparar para o momento de escape.
Quando ela entrou retirou-me o roupão e começou a mexer nas pedras.
O traquetear da pedras a baterem umas nas outras dentro de água deixou-me curiosa e com vontade de olhar mas obriguei-me a ficar quieta, expectante, enquanto milhares de ideias começavam a povoar os meus pensamentos.
O repentino contacto frio na pele cortou momentaneamente este chorrilho de pensamentos centrando-me nas sensações.
O posicionamento das pedras era curioso pois obedecia aos chacras e mais uma vez o cérebro se lançou à desfilada: para que serão as pedras? porque serão frias? isto é um bocadinho desagradável assim frio. Será que vai ficar assim muito tempo? O que é que é suposto sentir? Será que é para a pessoa relaxar e se preparar para o resto da massagem?
Quando me apercebi de que o meu cérebro não parava procurei fazer exercícios respiratórios novamente e abstrair-me dos pensamentos. Foi aí que comecei a sentir frio e que ela me começou a massajar com óleo e com pedras quentes e frias.
As sensações eram estranhas, alternando entre o conforto e o desconforto. O frio persistia e eu não conseguia abstrair-me disso.
Deveria dizer alguma coisa? Seria normal?
As mão pequeninas, leves e suaves da massagista contrastavam com o meu corpo grande e desajeitado ali deitado numa marquesa à justa para mim. Senti-me dividida entre dois tempos, o ritmo frenético dos meus pensamentos e a calma suave e metódica da massagem.
Procurei abstrair-me do desconforto durante alguns instantes e entregar-me a essas mãos de movimentos circulares. Mas como as sensações continuavam a deixar-me dividida entre o prazer e o desprazer recomecei a pensar noutras coisas.
E assim enquanto ela me estimulava os chacras e me aplicava uma terapia de relaxamento eu revi o trabalho da semana, as coisas que ainda precisava de fazer, os planos para o fim-de-semana, os amigos a quem já não falava há muito tempo, as coisas de que não me podia esquecer até que ela me bateu levemente no ombro e me disse que estava na hora de me virar para baixo.
Nesta posição a minha cabeça encaixou numa ranhura da marquesa que me deixava ver duas flores dispostas num arranjo simples, tudo pensado para infundir a sensação de calma, harmonia e beleza.
Esforcei-me então por voltar a fechar os olhos e fruir o momento mas os olhos não se mantinham fechados nem 10 segundos e começaram a explorar o que era possível através da ranhura: as tomadas eléctricas, as toalhas dobradas, os pés da bancada, os pés pequeninos e sinuosos da terapeuta na sua dança em torno de mim, as pétalas do chão.
Quando terminou, a moça sussurrou-me que podia ficar ali o tempo que quisesse a descansar e desapareceu com pés de lã.
Fiquei ali, quieta, a perguntar-me que horas seriam,quanto tempo é que uma pessoa deveria ficar ali, se haveria duche para tirar os óleos, se me viriam chamar.
Como ninguém aparecia vesti-me e saí para a sofisticada zona da recepção.
O óleo no corpo fazia comichão e tornava a roupa incómoda, a massagem deixara-me inchada e com uma sensibilidade dolorosa.
Seria normal?
Tentei parecer relaxada e quando me perguntaram se tinha gostado e se tinha sido bom disse que sim.
Ofereceram-me chá verde na pequenina salinha de espera onde corria água numa fonte japonesa de pequenos seixos rolados.
A moça tailandesa nunca mais voltou a aparecer e eu continuei ali bebendo o meu chá verde, a tentar parecer relaxada e a pensar nas horas, no que ainda tinha para fazer e no que deveria ter sentido lá dentro, tão deslocada como uma cegonha no meio de pardalitos.
Despedi-me, abri a porta que me protegia do bulício exterior e uma vez lá fora, determinada, caminhei rapidamente na renovada tentativa de atrasar os ponteiros do relógio.
Com passos rápidos e tenazes, ziguezagueando entre os carros mal estacionados e o som insistente das buzinas, sonhando com um momento de relaxamento em que tenha tempo só para mim... de olhos postos no Oriente. Esse mito?!