Dias mãeores

um blog de mãe para recuperar o tempo perdido em dias sempre mais curtos que o desejado

domingo, julho 31, 2005

suspensão temporária



Pernas no ar, oscilantes como mastros, os braços estirados na languidez morna do fim de tarde, o tempo meio suspenso, deixando cair os minutos em intervalos irregulares por pura distração e preguiça.
Aaahhhhh... eis que chegaram as férias e com elas a promessa de dias (ainda) maiores.

Chegou a altura de suspender este espaço por breves instantes.
Uma migalhinha de pausa no tempo do mundo, uma eternidade nos dias que correm velozes.

Até breve!

quinta-feira, julho 28, 2005

A vespa



Esvoaçante e irrequieta a vespa via tudo às voltas
ZZZ
ZZZZ
ZZZZZZ
para trás e para a frente,
num frenesim,
o vento silvava-lhe nas asas
e distorcia o mundo
riscas,
linhas,
manchas,
uma aragem em movimentos geométricos
ZZZZ
ZZZZZZZ
ZZZZ
Estacou!
E se eu me fundisse com as formas?
A dúvida instalou-se de mansinho
mas foi tomando terreno.
ZZZZZ
ZZZZ
ZZZZZZZ
E num repente assim fez.
ZUT!
Metamorfoseou-se num quadro de Mondrian.

quarta-feira, julho 27, 2005

Existencialismo nihilista mas construtivo ou o poder transformador dos paradoxos!



Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim
todos os sonhos do mundo. (...)

Álvaro de Campos (Tabacaria)

Continuem a reinventar-se!

terça-feira, julho 26, 2005

Anseio



Desligar!

(suspiro)

sexta-feira, julho 22, 2005

Relatividade geográfica


Genipabú (Junho, 2005)

imagine
life is an old man
carrying flowers on his head

e. e. cummings

Isto porque o cummings não estava no Brasil.
Se estivesse, o carregamento poderia assumir as mais variadas e impensáveis formas. Como Cd´s piratas no meio do parque de dunas de Genipabú.


Reinventem o mundo!...
Bom fim-de-semana!

quinta-feira, julho 21, 2005

As palavras



São como um cristal,
as palavras
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam;
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Eugénio de Andrade


Que memórias, temores e expectativas nos trará esta na sua arte de iludir?

terça-feira, julho 19, 2005

Food for thought



A terra dispõe de recursos suficientes para satisfazer todas as nossas necessidades, mas não para satisfazer todas as nossas ambições.

MahatmaGhandi

Utopia IV



Ah quem me dera ter-te
como um lugar
plantado num chão verde
para eu morar-te

Ah quem me dera ter-te
morar-te até morrer-te

Vinícius de Moraes

segunda-feira, julho 18, 2005

Celebração



Ao fechar os olhos
abro-os dentro dos teus

Dobro a página do dia,
escrevo o que me dita
o movimento das tuas pestanas

Octavio Paz

sexta-feira, julho 15, 2005

O cheiro na pele



Chegámos.
A casa em tons de azul e vermelho cheirava a maresia e a estevas.
O cansaço trazido da cidade evaporou-se de mansinho em longas tertúlias com amigos, gatos e boa comida.



As horas passaram doces e lentas, devolvendo-nos a serenidade perdida.
O cheiro a mato e mar impregnou-nos a pele levemente tostada pela aragem marinha.

Friagem boa, no corpo arrepiado e húmido.
Salpicos frescos, mergulhos longos.



A piscina biológica, renovada pelas plantas e povoada pelas rãs albergava um achigã que nos acompanhou a natação de fim-de-tarde.



E quando o chapinhar terminava e o dia se aquietava, eram os restantes bichos que faziam uso desta charca dissimulada na paisagem como se sempre lhes tivesse pertencido.
Em voos rasantes bebiam andorinhas, pintassilgos, abelharucos, piscos de peito ruivo, pardais...

Uma cegonha graciosa nas suas andas improváveis visitava, solitária, as águas quando ninguém mais as povoava.



Os chilreios preenchiam o ar.
Os odores, cada vez mais intensos, assaltando-nos em lufadas inconstantes.
O mato povoando-nos as roupas e os sentidos de tal forma que nem a neblina que poisava, pesada e andarilha, sobre tudo, conseguia diluí-lo.



Dois longos dias.
Tão maiores...

.......


Depois de tudo, a pele impregnada enche de estevas o carro que regressa à cidade.

Huuuummmmmmmmmmmmmmm....

Anseio que a languidez doce da memória perdure até ao final da semana.
Sobrevivendo ao trabalho.
Dando-nos forças...
E que tudo recomece de novo...



Tenham um fim-de-semana maior....

quinta-feira, julho 14, 2005

Nem tudo está perdido!



Contra os discursos pessimistas e esvaziadores em torno da cultura portuguesa, do seu consumo e das fracas qualidades das presentes gerações regista-se que, contra todas as expectativas, a sessão de "journal d'une femme de chambre" estava ontem esgotadíssima na cinemateca. Embora isso nos tenha impedido de rever o universo de ironia e perversão requintada de Buñuel, encheu-nos a alma de alegria pois mostra que, apesar de todos os maus augúrios, vaticínios e demais profecias catastróficas, a malta mexe-se e enriquece-se.
Haja onde e como!

Morra Nostradamus, morra PIM.

terça-feira, julho 12, 2005

Ainda o Brasil: os bichos


Maria Farinha

Recordo que na primeira madrugada já em território brasileiro os sons que vinham do exterior me deixaram irrequieta.
Apesar do cartaz turístico anunciar apenas(?!) praias paradisíacas e mar azul, viajei na esperança de ver de perto alguns dos bichos exuberantes que o guia anunciava e os documentários mostram, magníficos.
Sabia obviamente que não se tratava do Pantanal nem da floresta amazónica, mas ainda assim, a mata atlântica que subsiste (e resiste) no local deveria proporcionar-nos bons encontros.


Mata Atlântica

O crescimento do litoral brasileiro fez-se à custa da mata atlântica, um dos ecossistemas mais ameaçados do mundo e um tipo de floresta densa e rica muito mais antiga que a floresta amazónica. Cobrindo originalmente todo o litoral brasileiro num total de 1 milhão de kilómetros quadrados (com uma largura de cerca de 800 km na zona de Rio Grande do Sul) subsiste hoje a custo em pequenas bolsas esparsas, espalhadas um pouco ao acaso pela linha costeira, entrecortadas pelas cidades que cresceram à custa da desmatação, constituindo não mais de 7% da área original.


Sagui

Ainda assim, reduzida e maltratada, abriga uma multitude de espécies fascinantes e em Pipa está preservada numa mini reserva - o Santuário Ecológico.
No meio da mata cerrada, a experiência é quase doméstica através de pequenos trilhos bem tratados no meio do arvoredo. O passeio faz-se cortando uma humidade densa e espessa. Os sons fazem adivinhar a bicharada que não se vê. Só os saguis atrevidos nos saltam ao caminho e os bem-te-vi volteiam no ar com a sua plumagem amarela.

Dos miradouros vê-se o mar imenso, a falésia e as baías, com os seus golfinhos e tartarugas, pequenas e fascinantes no seu movimento de vir à tona para respirar no meio das ondas em rebentação.


lagartos

Não é o documentário de vida selvagem que se imagina à partida, mas a intimidade da experiência não deixa de ser interessante. Tudo parece mais próximo e familiar.

A descida à praia verdejante de mato até à areia faz-se por uma escada de madeira e corda num simulacro de barco de piratas, um recurso para aliciar os mais novos na visita ao santuário.


Praia do Madeiro

Cá em baixo, na magnífica baía dos golfinhos, volta a visão de bilhete postal turístico. A praia imensa de areia branca, mar azul e coqueiros, surpreendentemente povoada de urubús e Marias Farinha, seres que desafiam o idílio de agência de viagens devolvendo realidade à miragem.


Urubús

E os golfinhos continuam nas águas quentes do oceano, volteando no ar e roubando destelhos de luz com a sua pele luzidia.


Desculpem os leitores que gostavam de mais detalhe e cientificidade na identificação dos bichos enunciados (e, claro fotos mais esclarecedoras!). Para esses, deixo aqui três sítios onde se pode recolher informação sobre bicharada, aprovados pelos meus amigos biólogos:
http://www.arthurgrosset.com/
http://www.fatbirder.com/links_geo/america_south/brazil.html
http://www.bsc-eoc.org/links/links.jsp?page=l_sam_br
http://www.nationalgeographic.com/wildworld/terrestrial.html

segunda-feira, julho 11, 2005

Zambujeira impressionista









Olhares líquidos, plenos de luz.
Elixir para a alma em tempos conturbados...

A poesia está na rua



Quando lhe foi pedida uma pintura para o 25 de Abril de 1974, a Vieira da Silva optou por homeagear as gentes que sairam à rua gritando pelos ideais em que acreditavam.
A poesia tomou de assalto as ruas de Lisboa.
Esta é portanto uma imagem que homenageia a capacidade de mobilização e a cidadania.

Parece que desta vez a poesia vai sair à rua novamente numa plataforma de cidadãos em prol da manutenção do Ballet Gulbenkian. Ver aqui.

sexta-feira, julho 08, 2005

Objectos emocionais



Uma argola para "prender o burro"!

quinta-feira, julho 07, 2005

Suspiro


"You said
well, never mind
we are ugly
but we have the music."

Leonard Cohen

Oxalá a saibamos preservar.


Desculpem o pessimismo mas não se me ocorre mais nada para dizer no meio do sentimento de desalento geral.

quarta-feira, julho 06, 2005

O Anjo agónico



Ainda me lembro da primeira vez que assisti a um bailado ao vivo.
As circunstâncias não eram as melhores: com um electroencefelograma marcado para o dia seguinte, o meu pai tinha a dura incumbência de me manter acordada o máximo de tempo possível e resolveu levar-me ao bailado (seguido de longas conversas pela noite dentro já com um olho aberto e outro fechado, pobres progenitores!).
Teria eu 6, 7 anos?
Disso já não me lembro bem, mas das três peças, apresentadas no D. Maria, e daqueles corpos elásticos que se contorciam no palco, lembro-me como se fosse hoje.
Nessa altura, como todas as miúdas, as minhas paixões estilísticas dirigiam-se aos frus-frus, às sapatilhas de ponta, aos vestidos brancos de saias de tule esvoaçantes, e o meu paradigma de beleza ao Lago dos Cisnes. Foi por isso um momento mágico ver um excerto das Sílfides, brancas, esvoaçantes, harmoniosas.
Mas houve neste espectáculo outra revelação que me marcou para o resto dos dias. Para além destes movimentos, os bailarinos podiam também contorcer-se de forma aparentemente desordenada e magnífica, com fatos coleantes que lhes deixavam os músculos a descoberto em desenhos extraordinários de força e beleza.
Numa das peças um anjo é ferido de morte.
A sua agonia transformou-se num conjunto de movimentos desesperados de luta e submissão.
As grandes asas que lhe prolongavam os membros e o impeliam para cima não foram suficientes para o salvar e o final da coreografia passou-se no chão, terrífica e terrenal.

E se este primeiro contacto não televisivo com o bailado se fez com a Companhia Nacional, a formação complementar nos anos seguintes fez-se com o Ballet Gulbenkian.
A partir deste momento, todas as temporadas me encontravam sentada no balcão expectante, ansiosa pela surpresa do próximo programa.
A dança moderna conquistou definitivamente as minhas preferências e quando as luzes se apagavam e a dança invadia o palco eram os movimentos vigorosos, lânguidos, suaves, nús e crus que me deixavam fascinada.
O despojamento da dança moderna rapidamente superou os frus-frus e o Ballet Gulbenkian tornou-se o marco, o espaço de todas as aprendizagens e fruições.
Não sei durante quantos anos não perdi uma temporada. Houve peças que vi mais de 3 vezes - Danças com Espíritos, Sergeant Earlier Dreams, Jardim Cerrado... -, coreógrafos que me faziam comprar o bilhete com antecipação ansiosa e bailarinos que me suscitaram paixões assolapadas.
Tantas destas peças e suas memórias se cruzam com a minha vida de formas de tal forma idiossincráticas que se tornaram marcos temporais pessoais difíceis de destrinçar e explicar.
O Ballet Gulbenkian atravessou praticamente todos os anos da minha vida, da primária à Faculdade, e quando há uns anos retomei esta frequência regular da temporada voltei a sentir que a qualidade extraordinária dos bailarinos imprime uma unicidade insuperável a esta companhia no panorama nacional.

Quando ontem soube a notícia de que o Ballet Gulbenkian terminava não quis acreditar.
Morreu de morte não anunciada.

Dói-me esta extinção não esperada.
Cresce-me uma tristeza funda.
Morre-me parte da vida, das memórias, das aprendizagens.
Desapareceu uma fatia insubstituível da vida cultural nacional.

E é por isso que me retorna a imagem do anjo moribundo em estertores de dor e impotência.
O corpo branco, moldado e agonizante, a mancha vermelha no peito a tingir-lhe aos poucos as asas que o impedem de voar.
O desespero iluminado no palco.
Desce o pano.
Fim.

Como diz José Saramago, no Memorial do Convento:
"Que os homens são anjos nascidos sem asas, é o que há de mais bonito, nascer sem asas e fazê-las crescer.
Isso mesmo fizémos com o cérebro, se a ele fizémos, a elas faremos."

Saberemos fazer crescer novas asas?!

segunda-feira, julho 04, 2005

We don´t want your money, we want you!




Só um breve post para fazer referência ao Live 8 e à cimeira dos G8 a decorrer em Edinburgh.
Se um tem o objectivo de chamar atenção para a fome no mundo e mobilizar-nos numa luta que se quer golbal, consciente e crítica, a outra deveria ter por missão tornar esta luta possível.
Aspectos comerciais e mediáticos à parte gostava de deixar aqui o testemunho do que me parece positivo nesta mobilização geral: o dedo na ferida, a globalização do apelo, a capacidade de, como disse Bono na abertura do concerto, ser um peso na consciência e uma pedra no sapato de grandes dimensões para grandes questões!

Com o lema "we don´t want your money, we want you", este evento tem pelo menos o mérito de mostrar que nem todas as consciências estão adormecidas e que nos devemos empenhar em transformar o planeta num lugar mais justo.

Em Portugal esta iniciativa tem como mote "Pobreza zero" e clama, uma vez mais, pela nossa participação e empenhamento.
Visitem o site, comprometam-se, ajudem a transformar, se não o mundo, pelo menos as consciências.

Todas as grandes mudanças começam primeiro por nós...