Dez de Maio.
A três dias do acontecimento a Senhora encheu-se de dúvidas.
Os pastorinhos dormiam já a sono solto quando lhes foi remexer na cama, espiolhar as orelhas, cheirar o hálito acre e azedo.
Cuidava que assim seriam: enfezados e mal parecidos, como convinha às gentes do povo. Mas de bom coração, que os olhos fechados não deixavam confirmar.
Suspirou baixinho ajeitando a manta.
- Antes assim...
A enxerga mal chegava para os três e a cada movimento os pequenos corpos deixavam vislumbrar a sujidade das carnes.
Estava prestes a desistir quando a rapariga entreabriu os olhos e suspendeu a respiração.
Breve instante de incerteza estremunhada.
- Jacinta, Francisco! Acudam!
O sono custava a despegar-se das almas e contrariava os esforços desesperados da Senhora em explicações incompreensíveis.
A três dias do acontecimento e o acontecimento já ali, antes de qualquer mensagem e preparação. Um ar infinitamente cansado crispou-lhe os dedos na manta e cravou-lhe uma ruga funda no rosto cansado.
As crianças já despertas hesitavam.
- Senhora feia que levas os meninos, sai daqui. Sai, sai, sai.
- Oh Lúcia..., Jacinta..., esperem!
Sobressalto.
A palha pisada da enxerga saía dos buracos do colchão puído.
Seguiu o movimento da manta que escorregava lentamente dos ombros da rapariga mais velha e decidiu-se.
- Tenho três mistérios para vos revelar.
Bocejo disfarçado de incredulidade.
Incredulidade disfarçada de bocejo.
As mãos pequenas tacteavam à procura de qualquer coisa sem que a Senhora descortinasse o quê.
Continuou.
- É preciso que os transmitam na altura certa...
Era urgente que as palavras soltassem a mensagem, adiantadas, e cumprissem um destino marcado para daí a três dias.
O rapaz avançou de repente.
- Sai. Mulher doida. Pelo Senhor...
Leve movimento de corpos...
A pedrada surgiu certeira e a Senhora caiu de bruços num balbucio entredentes.
As ovelhas baliam desconfiadas.
Os pastorinhos chamaram o cão, puxaram a mulher pela manta que trazia e deixaram-na na soleira, corpo na terra espezinhada e aquecida dos animais.
Respiraram fundo.
Calmaria na noite estrelada.
Os balidos mudos agora.
Ajoelharam.
- Deus nosso Senhor livrai-nos do mal, de todo o mal. Confortai-nos com a Vossa presença. Enviai a senhora mãe do menino como sinal. Daqui a três dias estaremos no meio do campo com os nossos rebanhos...
susana
dezdemaiodemilnovecentosenoventaecinco
Desculpem lá qualquer coisinha.
Ando a remexer nos baús e de vez em quando saem-me do meio das memórias em desarrumo coisas insuspeitadas!
Bom fim-de-semana.